Maputo, (Lusa) – A Comissão Nacional de Direitos Humanos de Moçambique (CNHD) condenou hoje o “tratamento cruel” de reclusos que foram recapturados após fugirem durante rebeliões em duas cadeias de Maputo, anunciando a criação de uma comissão para investigar o caso.
“A CNHD condena veemente o tratamento cruel, degradante e desumano de reclusos por ser contrário às regras mínimas das Nações Unidas para tratamento de reclusos, à Declaração Universal de Direitos Humanos [e à] Constituição da República”, lê-se numa nota da organização distribuída hoje à comunicação social.
Pelo menos 332 reclusos, do total de 1.534 que fugiram após rebeliões em duas cadeias em Maputo, foram recapturados, anunciou hoje o Serviço Nacional Penitenciário de Moçambique (Sernap).
Os reclusos fugiram dos estabelecimentos Penitenciário Especial da Máxima Segurança e Provincial de Maputo, localizados a mais de 14 quilómetros do centro da capital moçambicana, cerca das 13:00 locais (11:00 em Lisboa) do dia 25 de dezembro e foram recapturados em resultado de operações conjuntas entre o Sernap e as Forças de Defesa e Segurança.
“Das imagens veiculadas através de vídeos amadores, foi possível captar vários cenários flagrantes de violação de direitos humanos que atentam contra a honra e dignidade humana (…). Diante deste cenário, a CNHD criou uma comissão de trabalho que se encontra a averiguar os contornos sobre o caso”, acrescenta-se na nota de CNHD.
De acordo com as autoridades, os reclusos evadidos estavam a cumprir penas por crimes diversos, incluindo ações conexas ao terrorismo, homicídio, roubo, tráfico de drogas e outros “delitos graves”, com sentenças que variam de cinco a 25 anos de prisão.
No mesmo dia em que foram registadas as rebeliões, o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, considerou que se tratou de “uma ação premeditada” e da responsabilidade de manifestantes pós-eleitorais que, desde outubro, estão na rua protestando contra os resultados das eleições gerais.
“Fazendo barulho, nas suas manifestações, exigindo que pudessem retirar os presos que ali se encontram a cumprir as suas penas”, descreveu Bernardino Rafael, explicando que esta ação provocou agitação no interior da cadeia, o que levou ao desabamento de um muro, propiciando a fuga, apesar da “confrontação imediata” com os guardas prisionais.
Segundo dados das autoridades atualizados hoje, pelo menos 35 pessoas morreram em resultado da confrontação entre os guardas e os reclusos.
Num direto na rede social Facebook, Venâncio Mondlane, candidato presidencial que lidera, a partir do estrangeiro, a contestação aos resultados eleitorais, rejeitou a tese do envolvimento dos manifestantes, acusando as autoridades de terem propositadamente deixado os reclusos fugir, com o objetivo de manipular as massas e desviar o foco da sociedade.
“Foi tudo propositado. São técnicas de manipulação de massas à moda dos serviços secretos soviéticos (…) para que as pessoas parem de falar na fraude eleitoral. Querem desviar o nosso foco”, declarou Mondlane, acusando também as autoridades de terem “sacrificado” alguns dos reclusos.
No mesmo dia, rebeliões similares foram registadas na Cadeia de Manhiça, norte da província de Maputo, onde os manifestantes libertaram os presos, e na Cadeia de Mabalane, que registou uma tentativa de fuga.
O Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD), Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana, entregou, segunda-feira, uma queixa à Procuradoria-Geral da República contra os ministérios do Interior e da Justiça pelo “massacre” dos reclusos, que foram “assassinados pelas balas da polícia”, segundo o diretor do CDD, Adriano Nuvunga.
Moçambique atravessa desde outubro uma crise pós-eleitoral, com protestos e paralisações que têm culminado em confrontos violentos entre polícia e manifestantes que rejeitam os resultados das eleições de 09 de outubro, com quase 300 mortos e mais de 500 pessoas feridas a tiro, segundo a sociedade civil.
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