Luanda – O debate em torno da necessidade de um maior endurecimento da Lei contra a Violência Doméstica (LVD), em Angola, figura entre os temas que mais atenção despertaram na sociedade angolana durante o ano findo.
Por Antonica Bengue, Jornalista da ANGOP
Como corolário da pertinência da causa, foi lançada uma consulta pública para a revisão da actual Lei contra a Violência Doméstica, que vigora na ordem jurídica nacional desde 2011, depois da sua aprovação em 14 de Junho.
A consulta pública para a sua alteração foi liderada pelo Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (MASFAMU) com o envolvimento de outros departamentos ministeriais e governos provinciais.
Com a revisão pretende-se, entre outros objectivos, introduzir uma abordagem mais preventiva da ocorrência de casos de violência doméstica, um problema social que tem fortemente afectado muitas famílias, sobretudo mulheres e crianças.
Na óptica dos seus propopontes, uma tal abordagem preventiva passará necessariamente pela promoção de uma exemplar responsabilização ou punição dos prevaricadores conforme a gravidade das ofensas cometidas.
Nesta senda, foram realizados debates sobre a temática no país, no intuito de recolher as contribuições ou subsídios dos diferentes estratos sociais do país.
Durante as sessões de apreciação, membros da sociedade civil e especialistas defenderam a necessidade de uma ampla discussão sobre o fenómeno da violência doméstica, partindo do princípio de que a actual LVD está desajustada da realidade
As preocupações levantadas sobre a questão entraram em harmonia com o espírito que norteou os trabalhos em curso visando a elaboração, também, de uma proposta de alteração do Código da Família, já em fase de conclusão para ser remetida à Assembleia Nacional para discussão e aprovação.
No cerne da motivação desta proposta está a mesma preocupção de trazer uma lei mais rígida na regulação dos casos de índole familiar, em especial os intrinsecamente conexionados com a violência doméstica em geral e, em particular, à fuga à paternidade.
Segundo a ministra Ana Paula do Sacramento Neto, a revisão deste Código é uma matéria que consta do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) e o seu resultado visa essencialmente valorizar a família e reforçar as suas competências.
Estas e outras questões relativas à preservação e valorização da família, como núcleo da sociedade, fizeram igualmente parte dos temas analisados durante o Conselho Nacional da Família, na sua 25.ª sessão, decorrida em Luanda.
A actividade que teve como grande convidada a presidente da Organização Mundial da Família, Deisi Kusztra, foi realizada no quadro do Dia Internacional da Família (15 de Maio), pelo que Luanda foi na altura declarada como a “Capital Mundial da Família”, por Deisi Kusztra.
Sob o lema “Investir nas famílias e no alcance das metas dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”, o Conselho abordou ainda temas como o fomento da paridade de género no acesso e conclusão da educação, o casamento, a união de facto e a herança à luz do direito da família, assim como o impacto das políticas públicas no desenvolvimento do território.
O evento contou com a presença da Primeira-Dama da República, Ana Dias Lourenço, e da Vice-Presidente da República, Esperança da Costa.
Em Angola, Deisi Kusztra inteirou-se das acções do Executivo angolano na área social, através de visitas aos centros de acolhimento Lar Kuzola, de Pessoa Idosa (Beiral), de Aconselhamento Familiar, ao Hospital David Bernardino e ao Hospital Geral de Luanda.
Violência doméstica na óptica da lei
Em face da lei angolana, a família é o núcleo fundamental da sociedade e exige protecção redobrada e especial, de acordo com os princípios consagrados na Constituição da República de Angola.
A violência doméstica, descrita como um flagelo social que contribui para a desestruturação e instabilidade emocional das famílias e, consequentemente, da sociedade, é punida com uma pena máxima de oitos anos de prisão acrescida de indemnização.
De acordo com o texto da Lei 25/11 de 14 de Junho, violência doméstica é toda a acção ou omissão que cause lesão ou deformação física e dano psicológico temporário ou permanente que atente contra a pessoa humana no âmbito das relações estabelecidas no meio familiar ou outro por razões de proximidade, afecto, relações naturais e de educação.
Estão contemplados neste conceito os comportamentos dessa natureza ocorridos em especial nos infantários, nos asilos para idosos, nos hospitais, nas escolas e nos internatos femininos ou masculinos bem como nos espaços equiparados de relevante interesse comunitário ou social.
A violência doméstica pode ser sexual, patrimonial, psicológica, verbal, física e de abandono familiar, refere o mesmo diploma, fazendo corresponder a primeira classificação ao facto de obrigar alguém a presenciar, manter ou participar em relação sexual com violência, coacção, ameaça ou colocação da pessoa em situação de inconsciência ou impossibilidade de resistir.
Por seu turno, a violência patrimonial abarca toda a acção que configure a retenção, a subtracção, a destruição parcial ou total dos objectos, documentos, instrumentos de trabalho, bens móveis ou imóveis, valores e direitos da vítima.
Já a vertente psicológica designa qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição de autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento psico-social, ao passo que a verbal é toda a acção que envolva a utilização de impropérios, acompanhados ou não de gestos ofensivos, que tenha como finalidade humilhar e desconsiderar a vítima, configurando calúnia, difamação ou injúria.
A violência física é entendida como toda a conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da pessoa, e o abandono familiar como qualquer comportamento que desrespeite, de forma grave e reiterada, a prestação de assistência nos termos da lei
Outras actividades
Ainda em 2024, o MASFAMU e o Banco Mundial (BM) reforçaram a parceria para o desenvolvimento social, durante um encontro estratégico entre as duas instituições que pretendem consolidar a cooperação, com ênfase para a implementação de programas sociais que atendam às necessidades das comunidades mais vulneráveis do país.
Nesta senda, o Banco Mundial reafirma o seu compromisso de apoiar as iniciativas deste departamento ministerial angolano que estejam alinhadas aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promovendo um impacto positivo na qualidade de vida da população.
Igualmente no plano da cooperação, o Ministério, em parceria com o FNUAP, através do SYP- Programa Salvaguarda para Jovens, procedeu à inauguração de salas comunitárias para o atendimento aos adolescentes e jovens vulneráveis sobre saúde sexual reprodutiva.
O MASFAMU entende que a vulnerabilidade existente devido a infecção do HIV/Sida, continua a ser uma das principais causas de morte entre mulheres em idade reprodutiva e jovens adolescentes.
Entre as actividade do MASFAMU pontifica também o Workshop sobre Masculinidade Positiva/2024, no quadro dos 16 Dias de Activismo Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, numa iniciativa orientada pela secretária de Estado para a Família e Promoção da Mulher, Alcina Kindanda.
O workshop versou sobre temas como homens e rapazes como agentes de mudança para a igualdade do género, homens, família, conciliação e trabalho, assim como estratégias e acções para promover a masculinidade positiva em Angola.
As políticas públicas de inclusão da pessoa com deficiência dominaram a II Conferência Nacional sobre este assunto, sob orientação da ministra Ana Paula do Sacramento Neto.
A conferência nacional sobre os direitos das pessoas com deficiência foi aberta pela ministra de Estado para a Área Social, Maria do Rosário Bragança, tendo-se constituído num marco importante para o fortalecimento das políticas de inclusão social no país.
Alinhada à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por Angola em 2014, a Conferência visou promover a protecção dos direitos dessa população, além de sensibilizar o público e os decisores sobre os desafios enfrentados.
O II Fórum Nacional Sobre Micro finanças também preencheu a agenda do MASFAMU, co-organizado com o Banco Nacional de Angola (BNA), sob o lema promover a inclusão financeira da mulher para a estabilidade das famílias.
O MASFAMU promoveu ainda o Jango de Valores-Encontro Intergeracional, com o objectivo de promover a partilha de ideias e congregar as gerações para transmissão de valores morais, cívicos, éticos, culturais e patrióticos, com vista a enaltecer as atitudes positivas de cidadania integrativa e participativa.
Com vista a um atendimento mais inclusivo e acessível às pessoas com deficiências auditivas e de fala, promoveu igualmente, em 2024, um ciclo formativo de linguagem gestual, dirigido a técnicos do Ministério da Saúde e efectivos da Polícia Nacional.
No âmbito da paz e segurança, o Ministério lançou, em Luanda, o processo de desenvolvimento do Plano Nacional de Acção de segunda geração para a implementação da resolução 1325, sobre mulher, paz e segurança.
Angola desenvolveu o seu primeiro plano de acção nacional no período 2017-2020, que determinou que a paz está intimamente ligada à igualdade entre mulheres e homens e ao desenvolvimento sustentável.
As II jornadas de Protecção Social em Angola, com a realização de um Workshop sobre Oportunidades e Desafios da Protecção Social no país completaram a agenda do MASFAMU, em 2024, além de uma reunião interministerial sobre a violência contra as crianças em Angola, realizada em Setembro, à luz da Iniciativa Pathfinding 2.0.
Esta última constitui uma aliança global que apoia a aceleração dos esforços para se pôr fim à todas as formas de violência contra as crianças até 2030, iniciativa coordenada pelo representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Violência contras as Crianças.
A iniciativa inclui a realização de várias consultas com os países pioneiros e outras partes interessadas para avaliar o balanço dos progressos e os desafios remanescentes a fim de se definir, de forma participativa, um roteiro para acelerar e monitorar as acções neste sentido.
O MASFAMU, por intermédio do Instituto Nacional da Criança, realizou ainda um encontro de apresentação pública do Sistema Integrado de Gestão de Crianças nos Centros de Acolhimento (SIGCCA), que vai permitir acompanhar a movimentação de crianças nesses espaços sociais, desde a entrada, o tempo de permanência até à saída.
ANGOP