Luanda – África é um continente amplamente famoso pela abundância de recursos naturais, por um lado, mas, por outro, e infelizmente, por continuar a registar conflitos de todo o tipo, que adiam o seu desenvolvimento, com implicações profundas para a paz e estabilidade dos seus habitantes.
Esta situação tem preocupado, sobremaneira, a União Africana (UA), maior organização continental, formada por 55 estados-membros, decidida a alcançar a paz definitiva, através do projecto “Silenciar as armas até 2030”.
As guerras atingem todas as regiões (Norte, Austral, Central, Ocidental e Oriental) e vão deixando o continente mais vulnerável à cobiça das grandes potências da indústria mundial, muitas vezes instigadoras dos conflitos para deles tirar o melhor proveito, sobretudo económico, ao estilo “dividir para melhor reinar”.
O contexto actual é caracterizado por tensões persistentes no Sudão, Sudão do Sul, Cabo Delgado (em Moçambique), leste da República Democrática do Congo (RDC), Região do Sahel, Líbia, palcos de terrorismo e extremismo violento accionados por grupos jihadistas, do Boko Haram, Al-Shabaab, além de guerras entre países e grupos rebeldes com apoios internos ou externos (extra-continente).
Assim a UA, que tem actualmente a mão de Angola no leme, enfrenta desafios significativos para acabar com os avultados conflitos de consequências nefastas para as populações directamente afectadas e para a estabilidade regional.
Conflito no Sudão
A título de exemplo, um dos “calcanhares de aquiles” neste momento, a par da crise entre a RDC e o Rwanda, é o conflito no Sudão, que já deixou milhares de pessoas em situação de ajuda humanitária urgente. Esta contenda, é uma guerra entre as Forças Armadas sudanesas e as Forças de Apoio Rápido, que provocou milhões de deslocados.
Na sua intervenção, numa recente reunião do Conselho de Segurança da UA, o novo Presidente rotativo da organização, João Lourenço, apelou para a mobilização coordenada dos Estados-membros da União Africana para intensificar diligências junto das Nações Unidas e dos parceiros internacionais, na busca da paz no Sudão.
“O propósito é activar todos os meios de pressão para alcançar a cessação imediata e permanente das hostilidades”, fundamentou o Presidente, na reunião de alto nível do Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA, dedicada à análise dos conflitos RDC/Rwanda e no Sudão, testemunhada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.
Lembrou que no quadro da União Africana, dentre as iniciativas que se vêm empreendendo para se buscar uma solução para o conflito, merece realce a que consiste na criação do Comité Presidencial ad-hoc para o Sudão, do qual faz parte com o vivo interesse de contribuir, em coordenação com os outros membros, para a busca de uma solução para o grave conflito.
Por sua vez, António Guterres, disse que pelo menos 25 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária e 750 mil sudaneses enfrentam insegurança alimentar em Darfur do Norte, sendo que a escalada da violência no Sudão já dura quase dois anos.
Guterres relembrou ainda ao Conselho de Segurança que milhares de civis foram mortos e um número indeterminado de sudaneses são vítimas de atrocidades como estupros e outros crimes de violência sexual. Há relatos de assassinatos em massa no estado de Aj Jazirah, no leste do país africano.
A guerra civil no Sudão foi iniciada a 15 de Abril de 2023, quando combates entre as Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido, anteriormente operada pelo governo sudanês, eclodiram em todo o Sudão.
Além dos confrontos armados no Palácio Presidencial e na sede das Forças de Apoio Rápido, também foram relatados combates nos aeroportos Internacional de Cartum e de Merowe.
Desde que os conflitos começaram, mais de 11 milhões de sudaneses fugiram de suas casas. Deste total, três milhões cruzaram as fronteiras com nações vizinhas. É, na actualidade, a maior crise de deslocados do mundo.
Violência étnica, atrocidades e risco de instabilidade regional
Além disso, o conflito criou crises de saúde com casos de cólera, malária, dengue, sarampo e rubéola, ameaçando a população e principalmente as crianças sudanesas, um cenário agravado pelas fortes chuvas e enchentes que afectaram 600 mil pessoas no Sudão.
Outro problema grave é a violência étnica principalmente em El Fasher. A ONU pediu, várias vezes, que ambas as partes sentem-se à mesa de negociações, mas sem sucesso.
António Guterres também alertou sobre a participação do que ele chamou de “poderes de fora” que estão alimentando os combates dentro do Sudão.
A resolução 2736, adoptada pelo Conselho de Segurança no início deste ano enviou um sinal forte sobre a urgência de paz no Sudão. O texto pede ao líder da ONU que faça recomendações para proteger os civis.
António Guterres disse que ambos os lados têm de cessar a violência através de pausas humanitárias ou cessar-fogo temporários que levem ao diálogo para a paz duradoura.
Crise no Norte da Nigéria
Outro motivo de preocupação da União Africana é a crise que acontece no Norte da Nigéria. Considerado um conflito complexo que envolve uma combinação de factores religiosos, étnicos, económicos e de segurança.
O Norte do país tem sido, nos últimos anos, um epicentro de instabilidade devido à crescente violência de grupos extremistas, como o Boko Haram e o Estado Islâmico da Província da África Ocidental (ISWAP), bem como o envolvimento de milícias locais e a resposta do Governo nigeriano.
Esse conflito causou uma “grave crise humanitária”, com milhões de pessoas deslocadas internamente e centenas de milhares de refugiados que fugiram para países vizinhos como Níger e Tchad.
A violência tem impactado gravemente a vida de civis, resultando em mortes em massa, sequestros (como o caso notório das meninas de Chibok), explosões, atentados suicidas e destruição de propriedades.
Estima-se que mais de dois milhões de pessoas foram deslocadas internamente devido à violência do Boko Haram e ISWAP, criando campos de refugiados em áreas vizinhas.
A insegurança também tem impedido que as populações locais tenham acesso a recursos essenciais, como alimentos, água potável e cuidados médicos.
O conflito tem devastado o sistema educacional no norte da Nigéria. Muitas escolas foram destruídas, e os sequestros de meninas em escolas tornaram-se uma estratégia de ataque do Boko Haram, o que resulta no fecho de escolas e no medo generalizado entre pais e alunos.
Conflito na região do Sahel
A par dos conflitos já citados, inclui-se igualmente à lista das crises geridas pela União Africana a do Sahel, que envolve países desta região (Mali, Níger, Mauritânia, Burkuina Fasso e Tchad) e os grupos jihadistas salafistas ligados principalmente à al-Qaeda.
Esta contenda é uma consequência indirecta da Guerra Civil Argelina quando, em busca de bases de retaguarda, os rebeldes islamistas argelinos decidiram estabelecer-se no deserto, a partir do início dos anos 2000.
Progressivamente, passariam a realizar acções de guerrilha, terrorismo e tomada de reféns na região, sobretudo, começaram, de modo gradual, a criar laços com as populações locais e a disseminar o islamismo radical que acaba por levar ao recrutamento dos autóctones, ou mesmo ao surgimento de novos movimentos localmente, como o Ansar Dine, MUJAO ou até mesmo Katiba Macina.
Conflito no Corno de África (Somália)
O corno de África é uma região permanentemente em crise. A Etiópia ocupa uma posição predominante na região devido à sua importância demográfica: cerca de 85% da população da região vive neste país.
No entanto, a história da Etiópia é amplamente marcada por conflitos entre grupos étnicos que vivem dos recursos e do espaço, bem como entre o nacionalismo e o marxismo-leninismo na era moderna.
O resto da região também enfrenta contínuas tensões: a guerra civil na Somália em 1986, resulta num país que não tem um governo nacional em funcionamento desde 1991.
Os conflitos no Corno de África têm devastado continuamente aquela região, que inclui a Etiópia, a Eritreia, o Djibuti e a Somália.
Nesta crise estão como principais actores o Al-Shabaab, governo da Somália e forças internacionais, incluindo a União Africana (AMISOM) e as tropas da ONU.
Impactos reais dos conflitos em África
De guerras civis as insurgências extremistas, as crises em várias regiões da África afectam directamente milhões de pessoas, provocando deslocação forçada de pessoas e bens, crises humanitárias, bem como a violação dos direitos humanos.
Além de consequências imediatas, como mortes e a destruição de infra-estruturas, os conflitos também perpetuam a pobreza e a instabilidade, dificultando o desenvolvimento e o fortalecimento das instituições democráticas.
Países como o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo, o norte da Nigéria, a Somália, entre outros, enfrentam desafios profundos, que vão desde o colapso das economias locais até o enfraquecimento do Estado de direito.
Esses conflitos geram um ciclo de insegurança e sofrimento, que afecta não apenas as gerações actuais, mas também compromete o futuro de muitas nações da África.
Em todos esses conflitos, há um impacto profundo na vida das populações civis, com milhões de pessoas deslocadas, passando fome e tendo acesso restrito a cuidados de saúde.
A violência afecta o sistema de governação e o desenvolvimento, criando um ciclo de instabilidade que torna mais difícil implementar políticas públicas eficazes.
A guerra e a insegurança impactam negativamente a economia local e nacional, prejudicando o comércio, o turismo, a agricultura e as infra-estruturas.
Esses conflitos geram grandes fluxos de refugiados, criando desafios para os países vizinhos e para os próprios países em termos de assistência humanitária e integração.
O recrutamento de jovens por grupos extremistas é um problema crescente, especialmente no Sahel, na Somália e em partes da Nigéria.
Por Catarina da Silva, Jornalista da ANGOP
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