Bissau, (Lusa) – A falta de espaços para eventos culturais e de oportunidades para os artistas são apontadas pelos agentes culturais como os principais entraves do setor na Guiné-Bissau.
Aqueles que se dedicam à Cultura no país africano partilharam problemas e soluções num encontro que juntou esta semana, durante dois dias, em Bissau, os centros e associações culturais, alguns dos quais estrangeiros, que trabalham no setor.
O encontro foi promovido pelo Ur-GENTE, Centro de Artes Cénicas Transdisciplinar de Bissau, um projeto criado há três anos pela cooperação portuguesa, com o apoio da União Europeia e do instituto português Camões e implementado pela associação VIDA.
Um dos compromissos do projeto, como explicou à Lusa a responsável, Carolina Rodrigues, é contribuir para o desenvolvimento do setor cultural e artístico, nomeadamente com o centro que construíram, na capital guineense, para a prática artística.
Outra vertente é o reforço da ligação entre os agentes culturais da Guiné-Bissau e “perceber porque é que é tão frágil este setor” e como juntos podem trabalhar para o fortalecer e para ajudar à profissionalização das carreiras culturais.
O Ur-Gente juntou, na quinta e sexta-feira, os centros e associações culturais no encontro que teve como convidado Luc Mayitoukou, um especialista senegalês que se tornou uma referência cultural em vários países do continente africano.
O primeiro propósito do encontro foi a aproximação dos agentes culturais para que “o setor ganhe nome, se expanda e se internacionalize”, como disse Carolina Rodrigues.
“Continuamos a estar muito fechados dentro da Guiné-Bissau, talvez por uma condição geográfica, mas é [preciso] acima de tudo criar um alicerce para que este assunto não fique fechado e para que se proponha mais cooperação, entre países também”, acrescentou.
O encontro teve a vertente da formação porque é apontada como uma lacuna num país onde “a maior parte dos artistas são autodidatas ou então desenvolvem as suas carreiras quando começam a circular” por outros países.
Quem trabalha no setor lamenta também a falta de infraestruturas.
“Nós temos uma carência brutal de espaços onde apresentar programação cultural, onde fazer concertos, teatro, dança, cinema. Somos uma capital que não tem uma sala de cinema, por exemplo”, concretizou.
Na Guiné-Bissau, existe uma carta da política cultural, mas, segundo disse, “ela não é viva, é um documento fechado que ainda não chega a quem deve chegar”.
Existe, também, uma lei de direitos de autor, todavia, para Carolina Rodrigues, o que há efetivamente é “uma manta de retalhos que não comunica entre si”.
A oferta cultural, salientou, está a aumentar, “mas a produção é ainda muito ligada à tradição, é quase uma produção muito ligada à etnografia”.
Um dos poucos casos de sucesso são os “Netos de Bandim”, um grupo cultural que ganhou visibilidade além-fronteiras, com as danças tradicionais étnicas da Guiné-Bissau.
O público local também “não é fácil”, continuou, concretizando que “as pessoas estão muito cerradas nas suas próprias narrativas” e pouco abertas ao “contemporâneo ou um espetáculo de ópera ou uma instalação”.
O Centro Cultural Franco Bissau Guineense é conhecido pela dinâmica no setor, mas o diretor, Paul Barascut, também aponta e lamenta as dificuldades, nomeadamente financeiras, que obrigam a procurar continuamente patrocinadores.
Com o financiamento dos patrocinadores, o centro cultural cede a sala aos artistas e estes recebem o dinheiro da bilheteira.
A aposta tem sido nos artistas locais, porque ir buscar fora é muito caro, sobretudo as passagens aéreas, e a sala de 220 lugares não cobre os custos.
“O que falta hoje aqui são oportunidades para os artistas se apresentarem”, sublinhou, apontando outra dificuldade que é a falta de hábito do público de pagar para assistir a um espetáculo.
“Consumir um ‘show’ num estádio é uma coisa que passa, agora pagar para teatro, para cinema já é uma coisa que não entra nos hábitos das pessoas”, exemplificou.
Paul participou no encontro promovido pelo Ur-Gente “pelo conhecimento que a formação traz, mas também pelos contactos que se fazem nestes eventos com o formador e com outros agentes culturais”.
“Por exemplo, não sabia que existia uma escola de música em Bafatá, e já tenho um parceiro local”, contou à Lusa.
Chegado do vizinho Senegal, o convidado Luc Mayitoukou esteve, pela primeira vez, na Guiné-Bissau e não tem dúvidas de que “a criatividade existe no país, mas há muito a fazer no setor” no que respeita à profissionalização.
Luc falou da sua experiência na área e salientou os efeitos da Cultura no desenvolvimento de um país.
“A Cultura produz riqueza, um efeito em todos os outros setores, hotelaria, comércio, e cria empregos. É um motor de desenvolvimento económico e social”, disse.
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