Luanda – Há 45 anos, Angola foi abalada com a morte de António Agostinho Neto, que quatro anos antes havia fundado a nação angolana, com a proclamação da independência da então colónia portuguesa, a 11 de Novembro de 1975.
Por António Tavares, jornalista da ANGOP
Eram 13 horas do dia 10 de Setembro de 1979, quando os angolanos receberam a notícia da morte, prematura, de Agostinho Neto, na sequência de complicações durante uma cirurgia a um cancro do fígado, no principal hospital de Moscovo, uma semana antes de completar 57 anos de vida.
Para os angolanos, Neto reunia as qualidades mais nobres de escritor, médico, revolucionário, estadista, comandante de homens e ainda educador, modesto e franco, por isso, o golpe não poderia ser o mais fatal.
Os angolanos tomaram conhecimento do falecimento do primeiro Presidente de Angola independente através de um comunicado do Bureau Político do MPLA, que transmitia “uma profunda angústia e pesar e a maior comoção nesta hora trágica”.
“Chefe incontestado de um povo heróico, tornaste-te o pai de todos os filhos angolanos, o filho de todas as mães de Angola”, evocava o elogio fúnebre, proferido por Lúcio Lara.
O falecimento de Agostinho Neto, num momento em que Angola se encontrava ainda em fase de estabilização e de arranque económico-social, não podia deixar de causar preocupação para o futuro do país.
Na altura vários comentários fizeram eco sobre o receio (nalguns casos até a certeza) de que a sucessão de Neto poderia desencadear lutas no interior do MPLA, agravando a situação do país.
Por outro lado, outros entendiam que o passamento físico do primeiro Presidente de Angola iria enfraquecer manifestações em países como Namíbia e Zimbabwe, cujos movimentos de libertação, assim como de todo o mundo, viam desaparecer um aliado indefectível.
Além disso, os analistas eram quase unânimes na ideia de que este acontecimento iria dificultar a aproximação entre Portugal e Angola, retomada com o empenho de Neto depois da cimeira de Bissau realizada no ano anterior.
De facto, causou verdadeira surpresa a notícia da sua morte, visto que se ignorava a verdadeira gravidade do seu estado de saúde.
Com a morte de Neto, África perdia um dos seus mais ilustres e respeitados estadistas, que se impôs na cena política internacional.
As públicas manifestações de pesar provenientes de todo o mundo, e particularmente de África, acentuavam, de resto, a amplitude da perda que representava para Angola a morte do seu presidente.
No entanto, a população angolana, embora enlutada, reagiu calmamente ao inesperado acontecimento.
Todas as mensagens exaltavam a personalidade nacionalista e patriótica do líder da revolução angolana, algumas sublinhando o seu espírito de não-alinhamento nas difíceis circunstâncias internas e externas em que conduziu o mandato.
Manifestações ao nível da de 4 de Fevereiro de 1975
Precisamente às 9 horas do dia 14 de Setembro, aterrou no aeroporto 4 de Fevereiro, em Luanda, o Boeing das linhas aéreas de Angola, com os restos mortais de Agostinho Neto, vindos de Moscovo, acompanhados pela esposa, Maria Eugénia Neto.
Além de prestigiadas figuras do MPLA, a bordo veio o vice-presidente do Presidium do Soviete Supremo Antanas Barkacuskavs, da antiga URSS.
A manifestação popular somente equiparava-se à vivida a 4 de Fevereiro de 1975, quando Agostinho Neto chegou a Luanda, depois de uma luta de décadas, mas desta vez, com gritos de incontida mágoa.
O funeral
Uma multidão calculada em cerca de um milhão de pessoas, acompanhou o funeral do “guia imortal” até ao Palácio do Povo, onde o corpo ficou depositado até que fosse construído o mausoléu.
Representações estrangeiras
Samora Machel, de Moçambique (acompanhado de Marcelino dos Santos e Joaquim Chissano), Luís Cabral, da Guiné-Bissau, Aristides Pereira, de Cabo Verde, Pinto da Costa, de São Tomé e Príncipe, bem como uma delegação do Movimento de Libertação de Timor Leste, representavam os seus povos nas exéquias do líder.
O Brasil era representado por Eduardo Portella, ministro da Educação de um país que multiplicava as iniciativas de aproximação e cooperação com Angola e foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.
A derradeira homenagem de África foi também prestada a Neto por Keneth Kaunda, Chefe de Estado zambiano, Sam Nujoma, presidente da Organização Popular do Sudoeste Africano (SWAPO), e Oliver Tambo, líder do Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul.
Entre os presentes, estavam também Denis Sassou Nguesso, presidente do Congo, William Tolbert, Libéria e presidente em exercício da então OUA (que se fazia acompanhar de uma delegação de 36 membros do seu gabinete).
O bloco socialista era representado por Anantas Barkauskas, um dos 16 vice-presidentes da URSS, e Mikhail Solomentsev, do Politburo do Partido Comunista da União Soviética, Willi Stoph, primeiro-ministro da RDA, de cuja delegação fazia ainda parte Klaus Willerding, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, e ainda por delegações, ao mais alto nível, de Cuba, da Hungria, da Polónia e da Jugoslávia.
A delegação oficial portuguesa foi chefiada pelo Presidente da República, Ramalho Eanes.
Mensagens
Foram inúmeras as mensagens e reacções à morte de Neto que chegavam a Luanda, idas de todos os pontos do mundo, num movimento de pesar unânime pelo desaparecimento físico de um dos grandes estadistas daquele tempo e um dos mais destacados políticos do continente africano.
Destacam-se também as do governo de Moçambique, da Frente Patriótica do Zimbabwe, Cuba, Jugoslávia, Argélia, Suécia, Dinamarca, Holanda, EUA, Nações Unidas, Senegal e da Organização do Povo do Sudoeste Africano (SWAPO).
Bandeira da ONU à meia haste
Um ambiente de luto pesado e de dor profunda envolveu todo o território angolano, tendo sido decretado luto oficial de quarenta e cinco dias, também vivido, com variada duração num enorme número de países de todos os continentes.
Na ONU a bandeira da Organização das Nações Unidas encontrava-se, no dia do funeral, à meia haste, no Palácio de Vidro em Nova Iorque.
Dedicação ao povo
Neto nasceu a 17 de Setembro de 1922, na aldeia de Kaxikane, região de Icolo e Bengo, a cerca de 60 quilómetros de Luanda. O pai era um pastor protestante e, tal como a mãe, professor.
Após ter concluído o curso liceal, em Luanda, Neto trabalhou nos Serviços de Saúde, onde durante vários anos pôs de lado parte dos seus magros proventos para cursar medicina.
Tornou-se rapidamente figura de destaque do movimento cultural nacionalista que, durante os anos 40, conheceu uma fase de expansão.
Embarcou para Portugal em 1947, estudando primeiro em Coimbra, depois em Lisboa.
Empenhado em actividades políticas, experimentou a prisão pela primeira vez em 1951, quando reunia assinaturas para a Conferência Mundial da Paz, em Estocolmo.
Os três meses que passou na prisão de Caxias, perto de Lisboa, foram o prelúdio dos anos subsequentes que viria a passar no cárcere, perseguido pela PIDE.
Retomando as actividades políticas após a sua libertação, Neto tornou-se representante da juventude das colónias portuguesas junto de um movimento da juventude portuguesa, o MUD juvenil.
E foi no decurso de um comício de estudantes, a que assistiam operários e camponeses, que a PIDE o prendeu pela segunda vez.
Encarcerado em Fevereiro de 1955, só veio a ser posto em liberdade em Junho de 1957, tendo transcorrido dez meses como prisioneiro antes de ser sentenciado a 18 meses de prisão.
A sua libertação ficou a dever-se à campanha internacional organizada em defesa da vida e da liberdade daquele que já era conhecido como o poeta mais importante de Angola.
Nela intervieram intelectuais de renome como Jean-Paul Sartre, François Mauriac, Aragon, Simone de Beauvoir, Nicolás Guillén e Diego Rivera.
Em 1957 foi eleito prisioneiro político do ano pela Amnistia Internacional, com sede em Londres.
Durante o tempo que cumpriu na cadeia, o movimento para a independência africana cresceu.
A 10 de Dezembro de 1956 fundaram-se em Angola vários movimentos para formar o MPLA, Movimento Popular para a Libertação de Angola.
A par da crescente luta política, desenvolvia-se em Angola um movimento cultural que rejeitava a interpretação colonialista da sua cultura e história, que culminou com o I Congresso de Escritores e Artistas Negros, em Paris, em Setembro de 1956.
Em 1958, Agostinho Neto doutorou-se em medicina e contraiu matrimónio no dia em que concluiu o curso. Nesse mesmo ano foi um dos fundadores do clandestino movimento colonial (MAC), reunindo patriotas oriundos das diversas colónias portuguesas.
Neto voltou ao seu país, com a mulher, Maria Eugénia, e o filho de tenra idade, em 30 de Dezembro de 1959, ocupando a chefia do MPLA e exercendo medicina entre os seus compatriotas.
As condições eram extremamente difíceis para quantos trabalhavam dentro do território angolano, onde a PIDE fora reforçada em 1957, o ano seguinte à fundação do MPLA.
A 29 de Março de 1959 registaram-se prisões maciças de nacionalistas e, depois de Julho, as rusgas policiais tornaram-se rotina.
A 8 de Junho de 1960, o director da PIDE prende pessoalmente Neto no seu consultório em Luanda.
Uma manifestação pacífica realizada na aldeia natal de Neto, em protesto contra a sua prisão, teve como balanço 30 mortos e 200 feridos pelas balas da polícia.
Neto é transferido para uma prisão de Lisboa, sendo enviado mais tarde para Cabo Verde, primeiro para Santo Antão e depois para Santiago, tendo sido eleito, durante este período, presidente honorário do MPLA.
Segue-se todo o período de guerra e violência, de Fevereiro de 1961 a 25 de Abril de 1974.
A 17 de Outubro de 1961 Neto é transferido para a prisão do Aljube em Lisboa, recomeçando toda uma campanha internacional apoiando o MPLA, pelo que as autoridades fascistas se viram obrigadas a libertar Neto em 1962, fixando-lhe residência em Portugal.
Contudo, pouco tempo depois Neto saiu clandestinamente de Portugal com a mulher e os dois filhos pequenos, chegando a Leopoldville (Kinshasa), onde o MPLA tinha ao tempo a sua sede exterior, em Junho de 1962.
Em Dezembro desse ano foi eleito presidente do MPLA durante a conferência nacional do Movimento. Ascendeu à Presidência da República de Angola no dia da sua independência, em 11 de Novembro de 1975.
Mausoléu
O Governo angolano encomendou à antiga URSS, o projecto para a construção de um Mausoléu para acolher os restos mortais do Presidente. O lançamento da primeira pedra para a sua aconteceu em Setembro de 1982.
O corpo de Agostinho Neto, que se encontrava no palácio do povo, foi transladado para o Mausoléu, em Setembro de 1992, mesmo sem as obras estarem concluídas.
ANGOP