Países-membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, principal grupo multilateral do sul do continente, decidiram em 2022 estender a permanência de suas tropas no norte de Moçambique, no Cabo Salgado, onde o governo combate um grupo ligado ao estado islâmico. O conflito iniciado em 2017 já causou a morte de pelo menos 3.000 pessoas e o deslocamento de 800 mil no norte moçambicano, adquiriu contornos regionais.
A África Austral é a região mais meridional do continente. Normalmente considera-se a África Austral formada pelos seguintes países: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Madagascar, Maláui, Ilhas Maurícias, Moçambique, Namíbia, Essuatíni, Zâmbia e Zimbábue. Estes países e ainda a República Democrática do Congo, a Tanzânia e as Seicheles (que são geralmente considerados parte da África Oriental) formam a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (ou SADC, do seu nome em inglês, “Southern Africa Development Community”).
Ao menos cinco países africanos enviaram tropas a Moçambique aumentando a escala do confronto e os riscos envolvidos. A ação multinacional envolve cinco países, além de Moçambique. Quatro deles integram uma força de estabilização da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral).
A ofensiva é liderada pela África do Sul, que fornece o contingente mais numeroso (1.500 homens) e a maior parte do equipamento militar pesado. São parte desta força também o Zimbábue, Botsuana e Angola. Há ainda informações extraoficiais de que tropas da Tanzânia actuariam em território moçambicano.
Riqueza trouxe instabilidade para Cabo Salgado
Localizado no extremo norte da ex-colônia portuguesa, Cabo Delgado é historicamente uma região pobre e isolada, que pareceu ter tirado a sorte grande há dez anos, com a descoberta de vastos depósitos de gás natural offshore. Como rotineiramente ocorre na África, no entanto, a riqueza mineral trouxe consigo mais instabilidade. No caso moçambicano, isso se traduziu no surgimento da facção Ansar al-Sunna (“defensores da tradição”), que reúne cerca de 3.000 combatentes e alega ter ligações com o Estado Islâmico.
Em março de 2021, o grupo fez a sua acção mais ousada, na cidade de Palma, usada como base por diversos trabalhadores estrangeiros. O ataque deixou dezenas de mortos e provocou a suspensão das operações pela empresa francesa Total, que detém a concessão para exploração do gás. Gerou também uma reação por parte do governo de Moçambique, que reverteu a sua relutância inicial e finalmente pediu ajuda internacional.
Após um 2023 de relativa acalmia, Cabo Delgado voltou a ser palco de ataques terroristas de grande envergadura. Em fevereiro de 2024 o Estado Islâmico reivindicou a um autoria de um ataque terrorista em Macomia, província moçambicana de Cabo Delgado, e a morte de pelo menos 20 pessoas, um dos mais violentos em vários meses.
De acordo com a informação da missão militar (SAMIM) da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), no dia 29 de abril deste ano (2024) realizou-se a “cerimónia de despedida” dos dois contingentes do exército angolano no aeroporto de Pemba, capital de Cabo Delgado, com homenagens aos seus membros.
“Serviram bem a SAMIM. O vosso trabalho permanecerá nos corações e nas mentes do povo de Moçambique”, declarou, na cerimónia, o comandante da missão, o major-general Patrick Dube, das Forças Armadas da África do Sul (SANDF).
Moçambique é um dos países africanos mais atingidos pelo terrorismo
Moçambique é um dos cinco países africanos mais atingidos pelas ações do Estado Islâmico, grupo radical que expandiu as suas actividades entre janeiro e junho de 2024, revela um novo estudo do Instituto de Pesquisa de Mídia do Médio Oriente.
O estudo “O Estado Islâmico e a Perseguição aos Cristãos na África”, com dados referentes aos ataques protagonizados por elementos do Estado Islâmico contra instituições cristãs e assassinatos de pessoas que professam a religião cristã, diz que Moçambique ocupa a terceira posição na lista de cinco países mais afectados pelo terrorismo em África.
“Os países mais afectados pelo Estado Islâmico de janeiro a junho tem sido a Nigéria, República Democrática de Congo (RDC), Moçambique, Camarões e Mali, onde o grupo terrorista actua por meio de várias divisões”, lê-se no estudo.
No primeiro semestre de 2024, diz o documento, o Estado Islâmico reivindicou a morte de 698 cristãos africanos. “Esse número ilustra a gravidade da situação e a brutalidade dos métodos empregues pelo grupo, uma vez que, entre essas vítimas, 319 foram decapitadas e 379 mortas a tiro”. A Nigéria e a RDC tiveram as maiores baixas de cristãos.
De acordo com o estudo, “a província do Estado Islâmico de Moçambique (ISMP), divisão formada em 2019, matou 29 cristãos, sendo cinco deles por decapitação. Além disso, o grupo incendiou 939 casas, 21 igrejas e 12 escolas, causando enorme destruição e terror nas comunidades locais.”
Islã tem adeptos em toda África
O islamismo entrou no continente africano a partir dos países da África do Norte, como Marrocos e Egito, e foi uma das primeiras regiões a ser conquistadas pela expansão inicial árabe-islâmica (século VII e VIII). Dos séculos X a XVI, mercadores muçulmanos contribuíram para o surgimento de importantes reinos na África Ocidental, que floresceram graças ao comércio feito por caravanas que, atravessando o Saara, punham em contato o mundo mediterrâneo ao das estepes e savanas do Sudão Ocidental e África centro-ocidental
Hoje o islamismo é a religião que possui o maior número de adeptos em África, seguido do Cristianismo. De acordo com a a Encyclopædia Britannica, a África é constituída por 45% de muçulmanos, 40% de cristãos e menos de 15% de ateus, ou que seguem cultos africanos. O número de muçulmanos em África é na actualidade estimado em mais de 400 milhões de pessoas.
O islã é a religião que mais cresce no mundo. Espera-se que, até o final do século, ela ultrapasse o cristianismo e ateus juntos, para se tornar a religião com o maior número absoluto de fiéis do planeta.