Luanda – Após percurso de alto nível como jogadora, valendo-lhe o apelido de “Demolidora”, a actual vice-presidente da Federação Angolana de Futebol (FAF) para o Sector Feminino, Irene Gonçalves, “sonha” com Angola no topo da África Austral e nos Jogos Olímpicos.
Para o alcance de tal desiderato, a ex-atacante e estrada da Selecção Nacional do futebol e do Progresso Sambizanga, hoje com 40 anos de idade, disse estar em curso um programa de reactivação e melhoramento desta vertente social.
Numa Grande Entrevista, recentemente concedida à ANGOP, em Luanda, para abordar o estado do futebol feminino em Angola, no quadro do mês de Março, dedicado à mulher, Irene advogou maior investimento na formação de jogadoras, treinadoras e outras agentes.
A antiga capitã e goleadora da Selecção angolana destacou que decorre uma campanha de sensibilização junto dos clubes do país para a introdução do futebol feminino e melhor estruturação das provas internas.
A extensão da prática pelas regiões, a detecção de talentos, os campeonatos zonais, o Projecto FIFA de Campanha nas escolas e torneios de selecções provinciais figuram entre os programas de resgate dos níveis alcançados em outros tempos.
Segue a entrevista na íntegra
Agência Angola Press (ANGOP): Do ponto de vista geral, como analisa o estado do futebol feminino?
Irene Gonçalves (IG): Actualmente, acredito que o futebol feminino está bem encaminhado, tem algumas equipas em clubes que evoluem no Campeonato Nacional “Girabola”.
As equipas grandes estão a aderir ao futebol feminino, que é um dos objectivos, tendo também em conta a exigência neste sentido da Confederação Africana de Futebol (CAF) e da Federação Internacional de Futebol (FIFA). Estamos neste processo.
Das 16 equipas que actuam no Girabola2024-25, 11 possuem o futebol feminino, perspectivando-se que na edição 2025-26 todas terão. Algumas da Segunda Divisão também já têm, representando um grande passo para a classe.
Ao abraçarem a causa, estas formações propiciam condições para maior desenvolvimento. Apenas o Isaac de Benguela, o Kabuscorp, o Luanda City, o Desportivo da Huíla e o Recreativo do Libolo não aderiram ainda.
Agora, como vice-presidente, após 10 anos de batalha, não só no 1.° de Agosto como também no Progresso Sambizanga, continuarei a “pensar Angola”, trabalhando com equipas de outras províncias, incentivando os núcleos a legalizar-se e participar em provas oficiais.
Acho que é o momento certo para ficar na Federação, para ajudar a organizar melhor os campeonatos nacionais, tendo como barómetro os últimos bem disputados em 2005, na província da Huíla, Huambo (2006), Luanda (2007) e Moxico (2008).
De lá para cá, houve um retorno em termos competitivos, o que nos leva a trabalhar para a inversão do actual quadro que passa pela massificação e pelo surgimento de equipas, tendo como meta o desenvolvimento.
É necessário encontrar uma boa organização para as nossas atletas, bem como fazer um trabalho aturado dentro dos clubes, pois, para termos selecções fortes, depende das acções nas colectividades.
Então, estamos neste elenco da FAF para o intercâmbio com clubes naquilo que é a valorização do futebol feminino, a dignidade para as atletas por via de contratos de trabalho, um propósito que já acontece no Petro de Luanda e no 1.° de Agosto.
Acredito noutras equipas também, como o Wiliete de Benguela, o Sagrada Esperança, o FC Bravos do Maquis, assim como outros clubes no Girabola. Não é só ter futebol feminino, tem de se dar condições necessárias para as meninas trabalharem.
Caso isso ocorra, vai motivar as atletas resultando daí maior número de treinos, maior volume de jogos, bem como um campeonato melhor organizado e bem disputado.
Acredito que vamos ter selecções fortes em todos os escalões. Este também é um dos nossos objectivos. Já começamos a ver jogadoras que estão na diáspora para integrarem as selecções nacionais, igual ao que se faz no futebol masculino, nos Palancas Negras.
É assim que se fez para ficarmos mais fortes em masculinos, quando fomos ao Campeonato do Mundo de 2006, na Alemanha, e agora temos outra vez uma selecção forte, ou seja, aquilo que se faz nos masculinos, vamos fazer também nos femininos.
Estamos em contacto com jogadoras que actuam fora de Angola para, num futuro próximo, integrarem as selecções nacionais e temos tido boas respostas. Pensamos que podemos possuir um conjunto mais forte após a eliminatória contra o Zimbabwe, qualificativa para o CAN´2026, em Marrocos.
ANGOP: Para quando um Campeonato Nacional regular?
IG: Esta época já vamos inovar. Vamos fazê-lo em duas fases. O Campeonato Nacional, na fase regional, com três zonas, Leste, Sul e Norte, e depois a fase final em Luanda com 10 equipas finalistas.
A imprensa será mais envolvida com a transmissão da final em directo por uma cadeia televisiva para maior visibilidade. A fase regional será de Maio a Junho, enquanto a final no fim de Julho ou princípio de Agosto.
ANGOP: Sobre os projectos da FIFA, quais são os planos dentro das recomendações?
IG: Já temos um em execução em Luanda, Benguela e Bié, que é o “FIFA o Futebol de Campanha”, um projecto que encontrei, mas que precisava de execução. Estivemos também na Huíla e continuaremos no Uíge e em diante.
O objectivo é organizar jogos nas escolas, com atletas não federadas e criar-se o gosto pela modalidade, abrangendo aquelas que não gostam e nunca praticaram a modalidade e ingressarem a partir da base.
Também existem outros projectos da FIFA para o desenvolvimento de uma Liga, formação de treinadoras, licenciamento de clubes.
Estamos aí para realmente poder activar estes projectos. A procura de patrocinadores para o futebol feminino não se restringe às provas nacionais que temos de fazer, como também para outros eventos.
Temos as provas em Sub-17, que vamos realizar já em Abril, as provas em Sub-15, em todos escalões, vamos fazer provas nacionais, então precisamos de parceiros até para as selecções nacionais para melhorar este quadro geral.
ANGOP: E quanto é que se precisa para a concretização destes projectos?
IG: Temos já um projecto que devia ser realizado, em Dezembro de 2024, que é o torneio de selecções em Sub-17, no Bié, que não se realizou e vamos fazer agora em Abril, nas férias escolares do segundo trimestre.
Precisamos de ter a selecção de Sub-18 para participar nos Jogos da Região 5 da SADC, visando as eliminatórias do Campeonato do Mundo de Sub-20, em Setembro.
Naquilo que é o nosso cálculo e nosso orçamento prévio, precisa-se de 25 milhões de kwanzas para a alimentação das equipas, pelo que temos solicitado o apoio dos governos locais.
Vamos fazer as provas em duas províncias, inicialmente Bié e Huíla, com 10 equipas, cinco em cada província. A fase final será no Bié.
Estivemos agora no Bié, com o projecto de futebol de campanha, e pude ver as condições de alojamento que são boas. O Governo local também garantiu apoio institucional.
Faremos as mesmas acções na Huíla, brevemente, para ver as condições e solicitar apoios ao Governo local.
ANGOP: Qual é o modelo de disputa do Campeonato Nacional e quais os critérios para atingir à final?
IG: Na zona leste, que integra a Lunda-Sul, a Lunda-Norte e o Moxico, o futebol feminino ainda não está bem desenvolvido, os campeonatos provinciais ainda não são regulares.
Por isso, o Leste terá apenas um grupo de quatro representantes: o Sagrada Esperança da Lunda-Norte, o Desportivo da Lunda-Sul, o FC Bravos do Maquis e a Academia do Moxico. As duas melhores equipas do grupo do Leste passam para a fase final, a ser disputada em Luanda.
Para a zona Sul, na qual a especialidade é bem desenvolvida, com Benguela, Huambo, Bié, Cunene e Huíla, haverá dois grupos, sendo que um joga na Huíla e outro em Benguela, devendo as duas melhores de cada grupo qualificar-se à fase final.
Trata-se de um critério para reduzir os custos. Na Huíla, terá duas formações que irão se apurar do provincial e vão jogar em casa, além do Wiliete de Benguela.
Aventa-se a hipótese de Benguela dar três representantes por ter um campeonato com muitas equipas, num total de dez.
O Wiliete de Benguela está a liderar a prova local e tudo indica que se apura para a fase zonal regional. E por apresentar melhores condições, vai deslocar-se para a província da Huíla e depois para o Cunene, a quarta equipa na zona Sul, no grupo B, na Huíla.
No grupo A que é o de Benguela, há duas equipas que podem ser o Clube Nacional local e a terceira classificada do provincial benguelense, além de uma equipa do Huambo e outra proveniente do Bié, totalizando um quarteto.
A nível da zona Norte, onde o futebol feminino é bem desenvolvido, esta abrange Luanda, Uíge, Malanje e Cuanza-Norte, também terá oito equipas, divididas em quatro para cada grupo.
Uma joga no Uíge e outra em Malanje, com os locais a darem duas formações para o zonal por serem anfitriãs.
Depois, Luanda vai apurar três equipas do provincial para a fase zonal, devendo duas deslocar-se para Malanje e uma para Uíge, como anfitriã. Os uigenses terão também duas equipas, e Cuanza Norte fará a quarta formação.
Trata-se de cinco grupos, disputando em fase de zonas, em que passarão duas em cada grupo que totalizará dez para a fase final do nacional, a acontecer em Luanda, no fim de Julho ou princípio de Agosto.
Antes, decorre o zonal de Maio a Junho. Cada zona realizará a prova em uma semana até ao apuramento das dez finalistas. Em Luanda, o objectivo é ter as melhores equipas, visando a melhoria do nível competitivo da final.
Estamos a fazer contactos e parcerias para a transmissão televisiva e em outras plataformas digitais, para permitir que o público conheça de que clubes provêm as jogadoras da Selecção Nacional, que é um dilema que ainda se regista até em profissionais da Comunicação Social.
A mudança vai facilitar a opinião pública, na antevisão das possíveis convocadas e em caso de o seleccionador preterir potenciais “craques” por opção, bem como atrair patrocínio para este género.
Objectiva-se que uma marca seja a patrocinadora oficial do evento inédito, para melhorar a premiação das equipas que se aguarda melhoria em relação às de outras edições.
É um projecto que tem o apoio da direcção da FAF, na pessoa do presidente, Alves Simões, para o campeonato ser realizado da forma como foi delineado, incluindo os torneios de selecções a nível dos escalões mais abaixo.
Neste pacote, enquadra-se também as pesquisas nas províncias em busca de talentos, um serviço a ser feito pelos treinadores integrados na FAF para o futebol feminino, num processo que integra o acompanhamento de provas nos bairros.
Com isso, pretende-se melhorar a base da selecção nacional, colocar a selecção ao mais alto nível em todos os escalões, através de provas nacionais que produzam jogadoras com capacidade de ombrear de igual para igual no continente de forma gradual neste quadriénio.
ANGOP: Como analisa os preconceitos ainda actuais no futebol feminino?
IG: Sempre farei uma comparação com o tempo em que jogava e o tempo em que comecei o trabalho de massificação. Lidei com familiares, fui à casa de muitas atletas e tinha sim esta dificuldade de serem permitidas.
Normalmente, a modalidade que querem que as suas filhas pratiquem é o andebol, pela visibilidade, por aquilo que é o objectivo, ser modalidade rainha local ou vão para o basquetebol.
O futebol feminino ficava sempre de lado e sem motivação vindo dos encarregados de educação, mas ultimamente tem havido uma febre de meninas a gostarem de jogar, sendo que pais e familiares já têm apoiado. Não se via antes os pais a acompanharem os filhos de 8 a 12 anos de idade para treinarem.
Hoje, a realidade é diferente, os pais, inclusive, interagem com os treinadores, havendo mais aceitação e com o trabalho que estamos a desenvolver vai aumentar ainda mais a aceitação e a vontade das famílias apoiarem as filhas.
ANGOP: Existem treinadoras formadas, mas ainda poucas a assumirem cargos nas selecções nacionais. A que se deve?
IG: Já teve muito mais, mas creio que já mudou muito este paradigma, temos incentivado as ex-atletas a assumir o papel de treinadora, funções de delegada, seccionistas e ajudarem no desenvolvimento do futebol feminino.
ANGOP: Que projectos estão gizados para a inversão do quadro?
IG: Tivemos já uma formação em 2024, num projecto da própria Confederação Africana de Futebol (CAF), que custeia tudo para as participantes e também foram ministrados cursos para a obtenção da licença D.
Queremos dar sequência a este grupo para, durante o ano, o mesmo grupo fazer a formação para adquirir a licença C. Esta formação vai estender-se a nível nacional, ex-jogadoras de outras províncias com posterior enquadramento.
ANGOP: Das poucas treinadoras existentes, há discriminação de salários em comparação com os homens?
IG: Claro que a diferença é abismal. Nós sabemos que o futebol masculino tem outro objectivo, é claro que está ainda acima, mas estamos a percorrer já este caminho e aos poucos as coisas já vão melhorando.
É nossa responsabilidade, temos de fazer por merecer, temos ainda uma estrada, estamos à procura de resultados positivos.
Demonstrar competência, organização de trabalho e sei que vamos chegar lá num futuro breve.
ANGOP: Quantas treinadoras com licença D, C E B o país regista?
IG: Com licença D, o país regista uma média de 30 senhoras feitas no grupo de 2024, e com a C fizeram mais 10 mulheres, este ano, aguarda-se agora formação para licença B, para inserir mais senhoras para atingirmos este feito, ainda não existente localmente.
ANGOP: Está há muito tempo nas lides do futebol. Qual é o seu sonho?
IG: Bom, o meu sonho primeiramente é conquistar tudo aquilo que não conquistei como atleta. Sonhava jogar o mundial, os Jogos Olímpicos, ganhar o Campeonato Africano, ganhar uma COSAFA.
Como dirigente vou percorrer estes objectivos, que não alcancei como futebolista.
Sonho com a conquista da COSAFA, prova em que fui finalista, e espero ver Angola no Campeonato do Mundo e Jogos Olímpicos.
Perfil:
Licenciada em Administração Pública e Gestão de Empresa e pós-graduada em gestão desportiva, Irene Gonçalves é, até ao momento, a melhor marcadora angolana, com um total de 33 golos, ao serviço da Selecção Nacional.
Retirada há mais de 10 anos, a atacante foi apelidada de “Demolidora” pela sua criatividade e pelo faro para o golo, destacando-se no seu clube, o Progresso Associação Sambizanga, e nas selecções nacionais.
Irene Gonçalves foi a primeira mulher a marcar um golo para Angola num torneio feminino do CAN. Também fez história ao marcar 22 golos num só jogo, marca que pode constituir-se em recorde mundial.
O feito ocorreu em Março de 2020 numa partida em que o seu Progresso Sambizanga goleou o FC Bravos do Maquis, por 30-0, e desde então ganhou o apelido de “Demolidora”.
Anunciou o fim da sua carreira como jogadora, em 2012, iniciando um processo de captação de talentos no gênero que a levou a liderar o projecto de implantação do futebol feminino no clube 1.º de Agosto.
Na sua época, o futebol feminino angolano, actual 151º do ranking mundial, chegou a atingir, em 2003, o top 100, ao figurar na 83,ª posição.
Nome: Irene Maria Duarte Gonçalves
Apelido: Demolidora
Data de nascimento: 11 de Dezembro de 1984 (40 anos de idade)
Estado civil: Solteira
Altura: 1.75m
Posição: Avançado
Cor: Branca
Perfume: Miss Dior
Prato preferido: Feijoada
Filhos: Um
Livro: Por onde for o teu passo, lá esteja o teu coração
Melhor viagem: Madrid
Melhor momento da carreira: Quando marcou, em Março de 2010, um golo no Estádio de Ombaka, totalmente lotado.
ANGOP