Luanda, (Lusa) – O advogado angolano Sérgio Raimundo considerou hoje “inadmissível e condenável” que algumas personalidades internacionais tenham sido impedidas de entrar em Angola, lamentando que a situação ocorra numa altura em que o país preside à União Africana (UA).
“A minha leitura é que não existe, provavelmente, nenhuma orientação superior nesse sentido, mas deve existir aqui algum excesso de zelo. Por esta razão, é urgente que se apresentem e responsabilizem os verdadeiros responsáveis desse episódio lamentável e condenável”, disse Sérgio Raimundo.
Em declarações à Lusa, o advogado classificou como “triste e lamentável” para a imagem de Angola a retenção, na quinta-feira, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, de várias figuras internacionais, entre os quais os ex-Presidentes do Botsuana Ian Khama e da Colômbia Andrés Pastrana e o político moçambicano Venâncio Mondlane.
As figuras internacionais em causa deslocaram-se a Angola para participarem numa conferência sobre o futuro da democracia em África, promovida pela Brenthurst Foundation na província de Benguela, mas foram impedidas de entrar no país africano lusófono.
A Brenthurst Foundation é um “think-tank” sul-africano ligado à família Oppenheimer que promove conferências e outras iniciativas direcionadas para o fortalecimento da economia africana.
A conferência de Benguela, agendada para 13 a 16 de março, visa discutir o futuro da democracia em África e estava a ser co-organizada pela UNITA, principal partido da oposição angolana, que requereu vistos de fronteira para alguns dos participantes, entre os quais o senador queniano Edwin Sifuna, que partilhou no “X” que tinha sido convidado pelo presidente da UNITA e impedido de entrar pelo Governo angolano.
“De volta a Addis [Abeba, capital da Etiópia] depois de ter sido expulso de Angola (…) É uma vergonha que os visitantes sejam tratados desta maneira num país africano numa altura em que Angola preside à União Africana”, escreveu o político do Quénia.
Sérgio Raimundo insistiu tratar-se de um episódio “lamentável”, justamente quando Angola pretende levar a cabo toda uma estratégia de desenvolvimento do setor turístico e com isso tentar atrair investidores estrangeiros.
“Por outro lado, isso vem demonstrar o quanto o nosso sistema político nada tem a ver com democracia e liberdade, antes pelo contrário, vem demonstrar que somos um regime muito fechado”, criticou.
Para o advogado, “é incompreensível que cidadãos da região austral” do continente e que “fazem parte da mesma Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), onde vigora em regra a livre circulação de pessoas e bens, seja impedido de circular”.
“Um cidadão da África Austral, neste momento, não carece de visto para entrar num outro país da mesma região”, argumentou o advogado angolano, recordando que não se trata de cidadãos comuns, mas de antigos altos dignitários de países da região austral de África e não só.
Salientou que o episódio atingiu “maior gravidade”, sobretudo, num momento em que o Presidente angolano, João Lourenço, dirige a UA.
“Qual é o exemplo que vemos transmitir para África no âmbito de um processo de unidade do continente, tendo em atenção a estratégia badalada sobre a necessidade de livre circulação de pessoas e bens?”, questionou.
Sérgio Raimundo, conhecido como defensor de vários casos mediáticos em Angola, incluindo de Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente Eduardo dos Santos, salientou que as autoridades devem explicações sobre o que realmente se terá passado e que as figuras em causa mereciam também um pedido de desculpas.
Realçando não existirem razões legais que impeçam a entrada dos referidos cidadãos em Angola, disse acreditar que o político moçambicano Venâncio Mondlane tenha sido a “grande referência de todo esse episódio”, dada a ação que protagonizou em Moçambique.
O advogado observou que Mondlane “é um cidadão livre” (apesar de constituído arguido no seu país tendo como medida de coação termo de identidade e residência) e, se existisse algum impedimento na sua viagem, não lhe teria sido permitido sair de Moçambique.
Se saiu, “é um cidadão livre” e Angola não tem “razões para impedi-lo, a não ser” que esteja “a misturar questões externas com questões de política partidária – uma vez que o MPLA, que sustenta o Governo em Angola, é um partido irmão da Frelimo, que governa Moçambique”, declarou.
“Talvez, num gesto de solidariedade do MPLA para com a Frelimo, alguém irrefletidamente, com uma visão redutora do ponto de vista do que é um Estado e o que é que separa um Estado de um partido, entendeu que Mondlane (…) não deve entrar em Angola sob pena de estimular também alguns movimentos similares àqueles que fomos assistindo durante os últimos tempos em Moçambique”, concluiu.
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