Bicesse – O acordo-mãe do multipartidarismo

Luanda – Há 34 anos, em Estoril (Portugal), Angola marcou um passo determinante para a transição política, económica e social, com a assinatura dos históricos Acordos de Bicesse, em 31 de Maio de 1991, que permitiram a instauração do multipartidarismo e a realização das primeiras eleições gerais no país, nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992.

Por Francisca Augusto, jornalista da ANGOP

O documento, rubricado pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e pelo antigo líder da UNITA, Jonas Savimbi, resultou num cessar-fogo entre as extintas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) – afectas ao Governo) e as Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA – braço armado da UNITA).

Mediados por Portugal, na pessoa do antigo secretário de Estado dos Assuntos Externos e da Cooperação de Portugal, Durão Barroso, os acordos foram rubricados sob a observação dos Estados Unidos da América (EUA) e da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e propiciaram a formação do Exército unificado, as Forças Armadas Angolanas (FAA).

Previam igualmente a integração de alguns efectivos da UNITA na Polícia Nacional, a desmobilização das forças excedentárias, a reconciliação e reconstrução nacional, a extensão da administração do Estado em todo o território nacional, para facilitar a livre circulação de pessoas e bens, entre outras acções.

No quadro dos acordos, alcançados após várias rondas negociais técnicas, os EUA e a URSS comprometiam-se a cortar o abastecimento de armas aos beligerantes.

A sua implementação estava a cargo da Comissão Conjunta Político-Militar (CCPM), composta por representantes do Governo, da UNITA, das Nações Unidas, como mediadora, e da Troika de Observadores do Processo de Paz (Portugal, EUA e URSS).

Este órgão era constituído por uma componente política, pela Comissão Mista de Verificação Fiscalização do cessar-fogo (CMVF) e pela Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas (CCFA), integrada pelos mesmos entes.

Os acordos estabeleciam o período de 1 de Setembro a 1 de Outubro de 1992 para a realização de eleições presidenciais e legislativas, e findo este processo, a CCPM cessaria a sua missão.

Com os acordos de Bicesse, os angolanos vislumbravam uma luz no fundo do túnel quanto ao fim da guerra fratricida de mais de 16 anos, mas a frustração e angústia voltariam dois anos depois, devido ao reinício do conflito armado pela UNITA, na sequência da rejeição da derrota de Jonas Savimbi nas urnas.

Foi preciso esperar até 2002, para o país alcançar, finalmente, a paz que perdura até hoje, depois da morte em combate de Jonas Savimbi, em Lucusse, província do Moxico (leste do país), no dia 22 de Fevereiro do mesmo ano.

Os acontecimentos de Lucusse deram origem à assinatura, no dia 4 de Abril de 2002, do Acordo do Luena, um Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka, assinado em 20 de Novembro de 1994, na capital zambiana, que não teve efeitos práticos devido à intransigência de Jonas Savimbi.
Todavia, apesar de se terem revelado efémeros, os Acordos de Bicesse são considerados por vários analistas como um marco histórico para Angola, por terem sido a primeira tentativa real para se acabar com a guerra que perdurava desde a proclamação da Independência Nacional, a 11 de Novembro de 1975.

Antes, houve uma tentativa ténue e fracassada, concretamente o Acordo de Gbadolite (1989), no então Zaíre, actual República Democrática do Congo (RDC), apesar de ter sido testemunhado por 22 chefes de Estado africanos.

Não foi por acaso que durante a cerimónia de assinatura dos Acordos de Bicesse o Presidente José Eduardo dos Santos tenha enfatizado a importância do mesmo para o futuro de Angola e destacado a busca da paz e reconciliação nacional como imperiosa, após anos de um conflito devastador.

Por sua vez, Jonas Savimbi também considerou o acordo como um marco significativo em direcção à paz e reconciliação nacional em Angola.

Essas mensagens transmitiram um sentimento de segurança e conforto aos angolanos, que viam chegado o momento da pacificação de espíritos e da união entre filhos da mesma Pátria, desavindos por causa de convicções políticas e ideológicas diferentes, em consequência da guerra fria alimentada pelas potências mundiais (EUA e URSS).

Os Acordos de Bicesse não cumpriram integralmente o seu papel , mas foram um dos “atalhos” para os angolanos chegarem à paz definitiva.

Para o historiador angolano Patrício Batsikama, os acordos viabilizaram o nascimento da nova República e a criação de um ambiente jurídico-político propício para albergar o Estado moderno angolano.

“Os Acordos de Bicesse foram o pontapé de saída para a economia de mercado e, sobretudo, para a globalização económica”, comentou.

Disse que, em tese, Bicesse é o culminar dos resultados da Batalha do Cuito Cuanavale e o reajuste dos acordos de Nova Iorque (1978), que estipulavam a saída das forças estrangeiras de Angola, a independência da Namíbia e o fim do apartheid (regime de segregação racial) na África do Sul.

Na visão de Patrício Batsikama, diferente dos Acordos de Alvor, que conduziram à proclamação da independência de Angola e do compromisso de Gbadolite, os Acordos de Bicesse tinham como missão colmatar as lacunas e falhas dos anteriores entendimentos e marcar, definitivamente, o selo de paz.

Pena é que o processo de paz tenha colapsado por conta do incumprimento de um dos signatários do documento, Jonas Savimbi, que rejeitou o resultado das eleições, embora tenham sido consideradas livres e justas pela então representante especial do secretário-geral das Nações Unidas em Angola, a britânica Margaret Anstee, e pela generalidade de observadores nacionais e internacionais.

O longo conflito armado deixou feridas profundas em muitos angolanos, mas alcançada que foi a paz, a prioridade de Angola é continuar a promover a reconciliação nacional e a reconstrução e construção de infra-estruturas, para o desenvolvimento económico e social do país, a fim de proporcionar o bem-estar à população.

Um aspecto a realçar é o facto de a paz ter sido alcançada pelos próprios angolanos, sem intervenção externa, depois de as várias tentativas feitas neste sentido pela comunidade internacional revelaram-se infrutíferas.

Recorde-se que Angola teve várias missões de paz da ONU, designadamente a UNAVEM I (Janeiro de 1989 – Junho de 1991), a UNAVEM II (Maio de 1991 – Fevereiro de 1995), a UNAVEM III (Fevereiro de 1995 – Junho de 1997) e a Missão de Observação das Nações Unidas (MONUA).

Além de Margaret Anstee, vários foram também os representantes especiais do secretário-geral das Nações Unidas em Angola, como Alioune Blondin Beye (Mali), Ibrahim Gambari (Nigéria) e Issa Diallo (da Guiné).

De igual modo, passaram por Angola diversos comandantes do contingente militar (“capacetes azuis”, tais como o brigadeiro-general Péricles Ferreira Gomes (Brasil) e os majores-generais Phillip Valerio Sibanda (Zimbabwe) e Chris Abutu Garuba (Nigéria).

(ANGOP)

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