Bié: A “menina dos olhos” dos países da SADC

Cuito – O potencial agrícola da província do Bié, localizada no centro de Angola, tem despertado o interesse de vários países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que pretendem investir na região, para satisfazer as suas necessidades alimentares.

Além de Angola com a província do Bié, entre esses países, destaca-se a Namíbia e o Zimbabwe, potências regionais, que vislumbram oportunidades de investimento no sector agrícola local, com objectivo de buscar fontes de abastecimento de alimentos e garantir a segurança alimentar para as suas terras.

Recentemente, o Bié foi alvo de visitas e reuniões para acordos bilaterais entre os representantes dos dois países e as autoridades governamentais do Bié, governada, desde Julho último, por Celeste Adolfo.

As reuniões centraram-se na exploração de parcerias estratégicas que visam não apenas o fortalecimento da agricultura na província, mas também a promoção de um intercâmbio económico, no quadro da parceria bilateral que a Namíbia e o Zimbabwe mantêm com Angola, que beneficiará todas as partes envolvidas.

A mais recente visita foi do embaixador do Zimbabwe acreditado em Angola, Thando Madzvamuse, no passado dia 10 de Fevereiro, que trabalhou na província durante dois dias para constatar, de perto, as potencialidades da região.

Além do encontro com a governadora da província, de quem recebeu informações detalhadas sobre a situação actual do sector, o diplomata visitou também alguns projectos agrícolas, manifestando o interesse do seu país em investir na província.

Já por parte da Namíbia, esteve no Bié, em Outubro de 2024, o cônsul acreditado em Menongue, província do Cubango, Joseph Mbambo Kaveto, que também expressou o interesse de investimento e a prestação de apoio técnico do seu país, de modo a contribuir no aproveitamento das suas potencialidades, com terras aráveis e rios, para elevar os níveis de produção que possam ser exportados para a Namíbia.

Joseph MbamboKaveto referiu que o desejo do seu país é contar com Angola na busca de diversificação de fontes para o abastecimento de alimentos e garantir a segurança alimentar, que actualmente depende muito da África do Sul.

A província do Bié, em função das suas potencialidades, surge como uma possível solução para essa demanda.

Para além da Namíbia e do Zimbabwe, outro país da SADC que tem interesse pelo sector da agricultura bieno é a África do Sul, cujo desejo foi manifestado, em Julho passado, pela cônsul-geral de Angola acreditada na Cidade do Cabo (África do Sul), Elsa Caposso Vicente, durante um encontro que manteve com o então governador provincial, Pereira Alfredo.

Na ocasião, a representante angolana, que esteve em visita de trabalho a esta província, fez saber que o país de Nelson Mandela quer estabelecer parcerias com o governo do Bié, tendo em conta as oportunidades de investimentos que oferece no sector da agricultura.

As pretensões de cooperação no sector da agricultura no Bié, que está aberta, de acordo com a sua governadora, ao investimento externo, podem, em função da sua localização geográfica, no centro do país, abrir caminhos para o contributo da província e de Angola, em geral, na materialização da integração económica na região da África Austral.

A agricultura é um dos sectores primários mais importantes da economia, e a colaboração com países da SADC pode trazer benefícios significativos para a comunidade.

O estabelecimento destas parcerias pode promover a produção de bens de primeira necessidade, como milho, feijão e batata-doce, além de fornecer matéria-prima para as indústrias transformadoras, impulsionando a economia local e criando novos postos de trabalho.

Potencialidades agrícolas do Bié

Com 70.314 quilómetros quadrados de extensão territorial, cerca de 60% são terras aráveis e férteis para a produção de cereais, tubérculos, citrinos e hortaliças, que constituem os principais produtos cultivados.

Em termos de recursos hídricos, a província conta com vários rios, como Luando, Cuemba, Cutato, Cuiva, Cuquema, Ngumbo, Cuchi, Cunhiga, Cunje, Cutato dos Ganguelas e Cuelei, além do rio Cuanza, que atravessa a província e é o maior de Angola, com nascente no município do Mumbué.

A província também possui um clima favorável para a agricultura, com temperaturas que variam de 19ºC a 21ºC, e apresenta duas estações, sendo uma quente e chuvosa (de Outubro a Abril) e outra seca (de Maio a Setembro).

Desde 2019, o Bié mantém a média de 1.232.630 toneladas de produtos diversos por época, destacando-se o cultivo de milho, trigo, arroz, batata rena, citrinos, sisal, hortícolas e frutícolas.

Dados da V edição da Feira da Batata e Milho, realizada na cidade do Cuito, em 2024, estimam vendas de mais de 600 toneladas de produtos agrícolas diversos, com realce para o milho, a batata rena e o arroz de Camacupa.

As autoridades governamentais pretendem produzir um total de 1,2 milhão de toneladas de cereais por ano, com destaque para milho, feijão, soja e arroz, até 2027.

Na presente campanha agrícola 2024/2025, as previsões apontam para a produção de 2.070.484 toneladas de produtos diversos, como milho, feijão, mandioca, soja, amendoim, batata rena, batata doce, arroz, trigo, hortícolas e frutícolas variadas.

Estão envolvidas 272.696 famílias camponesas, que estão sendo assistidas com insumos agrícolas, com destaque para fertilizantes (adubo 12-24-12, ureia e amónio), num total de oito mil toneladas.

Benefícios da parceria para o Bié

O Zimbabwe, com a sua experiência no cultivo de trigo e arroz, e a Namíbia, que se destaca na produção de carne e lacticínios e possui elevados avanços em termos de técnicas de produção, prometem o “know-how” e tecnologias que podem ser cruciais para o desenvolvimento do sector agrícola no Bié.

De acordo com os dois diplomatas (zimbabweano e namibiano), essa colaboração não se limitará apenas à transferência de conhecimento, mas também poderá envolver financiamento para os projectos agrícolas e investimento em infra-estrutura, como a construção de sistemas de irrigação, de modo a garantir a produção em todas as épocas do ano.

Já quanto à parceria com a África do Sul, o sector da agricultura local ganhará uma oportunidade significativa para o desenvolvimento económico e social da região.

A África do Sul, com seu vasto potencial agrícola, pode compartilhar tecnologias avançadas e práticas de cultivo que podem aumentar a produtividade nas culturas predominantes no Bié, como milho e frutas.

Além disso, a transferência de conhecimento sobre a produção de cana-de-açúcar e o cultivo de uvas pode diversificar a economia local, promovendo a criação de cadeias produtivas que gerem emprego e renda para a população da província.

Essa colaboração também poderá abrir portas para o mercado internacional, aumentando a competitividade dos produtos agrícolas da província.

Para além dos benefícios directos para a agricultura, a parceria pode impulsionar o sector pecuário, aproveitando a experiência da nação sul-africana na produção de carne bovina, suína e frango.

A governadora do Bié augura vários benefícios, sobretudo no apoio aos pequenos agricultores com os financiamentos que daí podem resultar, para alavancar a agricultura familiar.

A governante espera que a parceria entre os dois países e outros que possam manifestar interesse se estenda igualmente aos sectores, com realce para o turismo, mineração e comércio, por apresentarem também inúmeras potencialidades para a sua exploração.

Mecanismos de eficácia na cooperação

Celeste Adolfo enfatizou a necessidade de se implementar mecanismos de eficácia nos projectos de cooperação para a sua materialização.

Por isso, assegurou que continuará a dialogar e interagir com as delegações desses países, para que, em num futuro breve, se possa partir para a acção dos interesses manifestados.

Por parte do seu governo, prometeu fazer tudo para cumprir com as suas responsabilidades e tirar maiores benefícios dessas parcerias.

Entre as medidas já tomadas, segundo a responsável, foi nomeado, em Dezembro último, o novo director do Gabinete da Agricultura, com o propósito de injectar uma nova dinâmica para avançar o sector, por representar a base da economia, de modo que o país não continue apenas a depender do petróleo, mas também de outras fontes de receita.

Já por parte das representações estrangeiras, também ficou a promessa da concretização das intenções manifestadas, anunciando, para breve, outras visitas à província para mais conversações e encontros técnicos para se definir as áreas específicas do sector da agricultura para a cooperação.

Contributo na integração económica na região da SADC

A integração económica dentro da SADC é uma prioridade, e o fortalecimento do sector agrícola entre os países membros é uma parte crucial desse processo.

Angola, com sua vasta extensão territorial e recursos hídricos, tem o potencial de se tornar um celeiro para a região, numa época em que a segurança alimentar é uma preocupação crescente.

A governadora do Bié, Celeste Adolfo, afirmou que a intenção dos países da região de investir na província é um sinal claro das potencialidades que o país tem para contribuir na efectivação da integração regional da SADC.

“Estamos abertos à cooperação e acreditamos que, juntos, podemos desenvolver um sector agrícola que não apenas alimente nosso povo, mas que também contribua para a segurança alimentar da SADC”, destacou a governadora.

O economista António Chagas compartilha essa visão, afirmando que a perspectiva de um futuro próspero da SADC, solidificado em parcerias agrícolas, é clara.

No seu entendimento, através do fortalecimento das capacidades agrícolas do Bié, Angola poderá contribuir significativamente para a estabilidade alimentar da região, reduzindo a dependência de importações e promovendo a autonomia agrícola.

Os benefícios de uma agricultura forte, continuou, vão além da economia e impactam directamente a vida das comunidades locais, pois que, com um aumento na produção agrícola, se espera que haja uma redução nos preços dos alimentos, melhorando a acessibilidade e a nutrição das populações.

Além disso, acrescentou que a valorização deste sector pode ajudar a reter os jovens nos seus países, oferecendo-lhes oportunidades de emprego e desenvolvimento nas suas comunidades, combatendo, assim, a emigração massiva dos cidadãos, que muitas vezes se transformam em mão-de-obra barata na Europa e em outros continentes.

“Por isso, tanto Angola quanto os países envolvidos podem beneficiar-se significativamente dessa colaboração, não apenas na produção interna, mas também no fortalecimento de laços comerciais dentro da SADC, promovendo uma maior integração económica na região”, culminou.

Engenheiro agrónomo aponta estratégias

O engenheiro agrónomo e docente universitário Arsénio Sachocal dos Santos advogou, por seu turno, políticas de apoio robustas para assegurar o desenvolvimento sustentável da agricultura na província, de modo a atender às exigências da parceria proposta pelos países da SADC.

O especialista enfatizou a importância da capacitação contínua dos agricultores, especialmente aqueles do sector familiar, em novas técnicas de produção, manejo adequado de insumos, práticas eficientes de irrigação e utilização de sementes certificadas.

O engenheiro agrónomo também propôs a criação de um plano estratégico que permita aos agricultores identificar claramente os objectivos, as etapas dos seus projectos e as necessidades específicas, apoiados por uma assistência técnica e assessoria sólidas.

Para esse fim, destacou a importância do envolvimento crescente de profissionais qualificados no sector, para garantir a eficácia dessas iniciativas.

Adicionalmente, ressaltou a necessidade de se melhorar as vias de acesso, de modo a facilitar o escoamento dos produtos agrícolas, bem como o acesso ao financiamento.

A diversificação do cultivo, incluindo a introdução de produtos não convencionais para a região, também foi apontada como uma estratégia vital para o fortalecimento do sector.

Arsénio Sachocal dos Santos defendeu a implementação de uma abordagem transformadora na cadeia produtiva agrícola.

“É imprescindível que, além da agricultura voltada para a produção, haja uma ênfase na transformação dos produtos do campo, permitindo o aproveitamento integral a partir dos primários para a geração de subprodutos, o que pode contribuir para o aumento da renda dos agricultores e o desenvolvimento económico local”, asseverou.

O Bié é uma das 21 províncias de Angola, na nova Divisão Político-Administrativa, introduzida pela Lei n.º 14/24, de 5 de Setembro, que elevou de nove para 19 o número de municípios da província, com a criação de10 novos.

A sua população é estimada em mais de dois milhões de habitantes, pertencente aos grupos étnicos umbundu, tchokwe e Nganguela.

Tem como fronteiras as províncias do Cubango (Sul), Moxico e Lunda Sul, (Leste), Malanje e Cuanza-Sul (Norte) e Huambo e Huíla (Oeste).

ANGOP

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