Com democracia em baixa, “epidemia” de autoritarismo contamina continente africano

O fim da Guerra Fria foi um acontecimento fundamental para os africanos.

A maioria dos países atingiu a independência nos anos-chave do conflito entre as superpotências, e este foi o factor crucial nas relações internacionais da África durante 30 anos.

Com o fim da divisão do mundo em dois grandes blocos ideológicos acelerou-se a democratização de muitos países africanos.

O período de tensão geopolítica protagonizado por Estados Unidos e União Soviética foi marcado pela prática da imposição de regimes autoritários de partido único.

Governos que apesar de terem ascendido ao poder de modo democrático, através de eleições livres, depois manipulavam as instituições para se perpetuar através da força, proibindo a liberdade de expressão e a existência de outros partidos.

Foi nessa época que os governantes mais longevos da África assumiram o poder para lá permanecerem por décadas.

Os maiores exemplos são:

  • TEODORO MBASOGO – 45 anos de poder na Guiné Equatorial, desde 1979 até hoje;
  • OMAR BONGO – 43 anos no poder do Gabão, 1996/2009;
  • MUAMMAR KADAFI – 42 anos de poder na Líbia, 1969-2011;
  • JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS – 38 anos no poder em Angola, 1979-2017;
  • GNASSINGBÉ EYADÉMA – 38 anos de poder no Togo, 1967-2005;
  • MOBUTO SESE SEKO – 32 anos no poder no Congo, 1965/1997;
  • PAUL BIYA – 32 anos de poder nos Camarões, desde 1982 até hoje;
  • ROBERT MUGABE – 30 anos de poder no Zimbábue, 1987-2017.

Apesar do “desbloqueio democrático” africano ter criado a expectativa de que governos em que o povo elege os seus representantes por meio de eleições livres e periódicas passariam a ser a nova norma, observa-se que depois de duas décadas de crescimento das democracias o autoritarismo recrudesceu em África.

Golpes de Estado refletem o desarranjo politico.

Desde 2020, ocorreram nada menos do que 10 movimentos de golpes de Estado em África, o que a imprensa internacional já qualificou como uma “epidemia” de autoritarismo no continente africano.

Juntas militares através da força das armas depuseram governos no Chade (2021), Mali (2021), Guiné (2021), Sudão (2021), Burkina Faso (2022), Niger (2023), Gabão (2023); já na Gâmbia, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe houve tentativas de golpe fracassadas.

Um dos principais factores em comum aos casos de golpe mencionados é a participação activa de militares, evidenciando a importância que estas ainda possuem no continente.

Outro factor apontado pelos observadores internacionais é a nova ordem geopolítica que se desenha com a participação cada vez mais activa da Rússia e da China na vida económica e política do continente africano.

Com a perda da influência ocidental, que deixou de se interessar pelo continente com o fim da União Soviética, e o seu modelo de democracias participativas, houve um consequente aumento da influência oriental, menos afeito ao modelo democrático tradicional.

Graves crises económicas com aprofundamento da desigualdade social em países já miseráveis, somado a administrações corruptas e acordos étnicos e culturais frágeis, são condições que atraem superpotências paternalistas que estão interessadas em alargar a sua influência.

Esta combinação de desafios económicos, políticos e sociais torna a região especialmente vulnerável a golpes de estado.

Nas primeiras décadas pós-coloniais, quando os golpes eram galopantes, os líderes golpistas da África quase sempre ofereceram os mesmos motivos para derrubar governos: corrupção, má gestão e pobreza. Um ciclo tétrico que se renova.

O Índice de Democracia 2023 da The Economist Intelligence Unit revelou que dos 54 países africanos há apenas sete nações consideradas democráticas no continente, sendo somente uma “democracia plena” (na Ilhas Maurícias) e seis “Democracias Imperfeitas”.

Autoritarismo predomina e avança.

Os regimes autoritários de governo actualmente dominam a região com 23 países ainda classificados como tal. Os países restantes são considerados regimes híbridos, com algumas liberdades, mas longe de serem considerados democráticos na acepção da palavra. É como está classificada Angola comandada pelo MPLA há quase 50 anos.

Publicado anualmente pela The Economist Intelligence Unit — uma empresa de pesquisas e análises do Economist Group, que publica a revista The Economist —, o índice analisa cinco fatores diferentes para determinar quais os países mais democráticos e os mais autoritários do mundo. São eles: o processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. Cada país é classificado num tipo de regime — democracia plena, democracia imperfeita, regime híbrido, ou regime autoritário — consoante a pontuação registada numa série de indicadores, numa escala de 0 a 10.

O relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, na sigla em inglês) revelou um declínio gradual da qualidade da democracia no continente africano. Segundo a organização, 18 países africanos são considerados democracias, 19 como regimes autoritários e 13 como regimes híbridos (com liberdades e direitos restritos).

Segundo pesquisa realizada em 34 países africanos pelo grupo independente de inquéritos políticos Afrobarometer, apenas 37% dos cidadãos estão satisfeitos com a democracia nestas nações.

Em Angola, a média é de apenas 17%. No geral, o apoio às eleições diminuiu em 26 dos 34 países africanos inquiridos entre 2011 e 2021.

Joseph Asunka, CEO da Afrobarometer, nota que o nível de satisfação com as democracias africanas tem decrescido de ano para ano e marca uma “tendência preocupante, que dá a sensação de estarmos sentados numa bomba-relógio”.

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