Monopólio da imprensa, liberdade de expressão limitada, quase todas as formas de comunicação privada monitoradas por uma vasta rede de informantes. Se você pensa que esse cenário de mão-de-ferro refere-se à Coréia do Norte do regime do ditador Kim Jong-um está enganado.
A fotografia, segundo Adalberto da Costa Júnior, presidente da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola), retrata a Angola de hoje presidida pelo MPLA do presidente João Lourenço.
Segundo ele, o país não está só mal em termos económicos e financeiros, mas registou também uma redução na qualidade da liberdade e da pluralidade da comunicação social. “O regime está a conduzir Angola para se tornar numa Coreia do Norte, apontando a nova lei da segurança nacional como um perigo para a democracia, que concede, por exemplo, permissão para desligar a Internet em todo país”, alertou.
De fato, qualquer semelhança não é mera coincidência. A restrição de liberdade é uma mancha na Coréia do Norte. Recentemente, dois adolescentes foram condenados a 12 anos de trabalhos forçados por assistirem a séries de televisão sul-coreanas como “K-dramas”, produções populares que se tornaram um fenômeno cultural global. Na Coreia do Norte, porém, qualquer forma de entretenimento sul-coreano é proibido.
Não muito diferente de Angola, a mídia no país do Oriente é totalmente controlada pelo Estado, com televisões e rádios fixadas em canais estatais e todas as publicações e transmissões rigorosamente supervisionadas e censuradas. A entrada de livros, filmes e programas de televisão estrangeiros é raramente permitida.
De acordo com Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA), Angola tem retrocedido no que toca à liberdade de imprensa nas últimas três décadas. As razões são várias, como “por exemplo, a não existência de pluralidade de conteúdos”.
“Paira nas redações uma espécie de ouvidos de mercador para não dizer cultura do medo com grandes fatos à luz de critérios de noticiabilidade a serem ignorados olimpicamente pelos jornalistas”, frisa André Mussamo, presidente do MISA-Angola. Para Mário Paiva, um dos jornalistas angolanos presentes no ato de assinatura da declaração de Windhoek, em 1993, o “Estado angolano tomou o monopólio da imprensa”.
Segundo ele, 30 anos depois, há um claro retrocesso que se caracteriza “principalmente pela tentativa de controle por parte das autoridades governamentais dos meios de comunicação social, no sentido de limitar e coagir os jornalistas, a independência dos meios e a liberdade profissional”.
“Falar de liberdade de imprensa num país onde o Estado detém o monopólio da imprensa não é verdade. A realidade mostra outra coisa. Somos todos controlados a partir das redes sociais. O país está a caminhar para uma ditadura do que propriamente para uma democracia que tanto almejamos. A liberdade de imprensa começa a ser alvo do regime para a sua manutenção no poder”, declarou João Malavindele, diretor executivo da ONG ao portal alemão DW África em agosto de 2023.
A liberdade de imprensa é um assunto muito sensível em Angola. Apesar de o relatório anual da organização “Repórteres Sem Fronteiras” ter apontado que o país ganhou este ano 21 lugares, passando da posição 125° em 2023 para 106° em 2024, num universo de 180 países avaliados, o jornalista Carlos Rosado de Carvalho está preocupado com o controle de empresas de comunicação social por parte do Estado.
“Foram criadas expectativas que do meu ponto de vista não se estão a cumprir. As televisões são todas controladas pelo Estado e as poucas que existiam foram privatizadas”, lamentou. “A nossa Lei de Imprensa proíbe o monopólio na comunicação social. O que estamos a assistir agora é o monopólio do Estado na comunicação social”, disse Carvalho.
Na verdade, a influência que a Coreia do Norte exerce sobre Angola vem desde a independência. Estima-se que 3 mil soldados e milhares de conselheiros militares norte-coreanos forneceram ajuda ao Governo angolano após a independência na luta contra o então regime de Apartheid sul-africano.
Em 1986, 1.500 militares norte-coreanos operavam em Angola. Também na área da saúde havia em Angola, até 2008, cerca de 180 médicos norte-coreanos espalhados por território nacional.
Após deixar como legado um modelo de regime de controle totalitário, que se estende a quase todos os aspectos da vida em sociedade, Coreia do Norte encerrou em outubro do ano passado sua embaixada em Luanda.
Se há vários anos existia uma estreita cooperação entre os dois países, incluindo no campo militar, a embaixada em Luanda deixou de ter interesse para Pyongyang.
O especialista em relações internacionais Osvaldo Mboco admite que o encerramento da representação diplomática norte-coreana se deve ao fato de, “para Coreia do Norte, Angola já não ser um país tão determinante dentro da sua estratégia de política externa”.
Ou seja, Angola pode ter aprendido com os norte-coreanos a censurar a imprensa ou monopolizar veículos de comunicação, mas em matéria de mercado para se fazer negócio ainda não passa de fake news.