Em Angola, o dia 17 de setembro é feriado. É o dia do “Herói Nacional”. A data é associada ao primeiro presidente angolano, António Agostinho Neto, que nasceu a 17 de setembro de 1922 e veio a falecer no dia 10 de setembro de 1979. Tinha então 56 anos de idade e estava no poder há quase quatro anos, uma vez que se tornou presidente da República com a independência do país, a 11 de novembro de 1975.
Em homenagem aos seus feitos na luta pela independência nacional e mais tarde na Angola independente, o Conselho de Ministros, nos termos do Decreto nº 9/94 de 25 de março, instituiu o 17 de setembro, data do seu nascimento, como sendo o dia do “Fundador da Nação e do Herói Nacional” e, por conseguinte, feriado nacional. Um feriado que mais tarde a Assembleia Nacional “ractificou” no conjunto de outros feriados nacionais, nos termos da lei 7/03 de 21 de março, alterada pela lei nº 10/11 de 16 de fevereiro e esta, por sua vez, alterada pela lei nº 11/18 de 28 de setembro.
Agostinho Neto foi médico, poeta e político. Enquanto estudante em Portugal fez parte de uma activa geração de estudantes africanos, que mais tarde viria a desempenhar um papel decisivo na descolonização dos respectivos países, com destaque para Amílcar Cabral e Pedro Pires (Cabo Verde e Guiné Bissau) Marcelino dos Santos (Moçambique), Alda do Esprito Santo (São Tomé e Príncipe), entre outros.
Agostinho Neto foi preso várias vezes pelo regime colonial português, deportado para a cadeia do Tarrafal, em Cabo Verde e depois colocado em residência fixa em Portugal, de onde fugiu para se juntar à luta armada para a libertação de Angola, liderando um dos movimentos de libertação nacional, o MPLA, até à independência do país.
Considerado um líder visionário, inteligente e disciplinado, Agostinho Neto nem sempre foi aceite de forma unânime pelos seus companheiros de luta durante os cerca de duas décadas à frente do MPLA. Teve uma liderança envolta em muitas lutas internas no seio do então movimento guerrilheiro e mesmo depois da sua transformação em partido politico.
Neste quesito acentuam-se as fortes divergências com grupos, dentro do Movimento, liderados por Viriato da Cruz, em 1963; Matias Miguéis em 1965; Daniel Chipenda em 1972 e, na véspera da proclamação da independência, os desentendimentos entre os três Movimentos, que lançaram o país para uma guerra civil sangrenta, que consumiu longos 27 anos, com um violento rasto de destruição material e humano, cujas sequelas persistem até hoje e, certamente, continuarão por mais algumas décadas.
No entanto, dois anos depois da proclamação da independência, Agostinho Neto viria a
enfrentar outra contrariedade. Provavelmente a mais difícil e complexa da existência do MPLA. Alguns dos seus dirigentes, no dia 27 de maio de 1977, rebelaram-se, confrontando a liderança e a autoridade de Agostinho Neto, acusando-o de má governação, o que deu lugar ao que as autoridades de então chamaram de “tentativa de golpe de Estado”.
A isso, o MPLA reagiu com uma brutal repressão e massacre de dezenas de milhares de
angolanos que foram presos, torturados e fuzilados sem julgamento, dando assim lugar à
“chacina do 27 de maio”. Historiadores e políticos apontam o dedo, até hoje, a Agostinho Neto como sendo o principal responsável por esse momento tenebroso da nossa história recente.
Com efeito, para amenizar os ânimos e pacificar os espíritos, as autoridades actuais do pais, lideradas pelo presidente João Lourenço, pediram perdão ao povo pelos acontecimentos do 27 de maio, e não só, e incluíram esse período sangrento no conjunto dos conflitos políticos que ocorreram em angola entre 1975(ano da independência) e 2002 (fim da guerra em Angola), criando em abril de 2019 a CIVICOP (Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos), que tem como missão a elaboração e execução do plano geral de homenagem às vitimas de tais conflitos.
Entretanto, nos últimos anos a falta de consenso em relação a determinados aspectos ligados ao também conhecido como o poeta maior de Angola, tem a ver com o titulo de “herói nacional”, com direito a feriado, atribuído apenas a Agostinho Neto. Para muitos, o “pacote” deveria incluir outros combatentes pela liberdade angolana, com ênfase para o Holden Roberto e Jonas Savimbi, lideres respectivamente da FNLA e UNITA, outros dois Movimentos da luta anticolonial.
Os defensores dessa posição acusam o MPLA ter monopolizado a História recente de Angola, favorecendo as suas figuras e as do seu Governo. Consideram que resgatar e rescrever a História de Angola, que inclua todos os protagonistas na sua dimensão real, seria prestar um serviço bem melhor à reconciliação nacional, um processo que está em curso, porém, no entender dos mesmos, “sem a velocidade e a amplitude que se esperava”
“O edifício da Reconciliação Nacional precisa de ser erguido com factos e protagonistas
verdadeiros e inclusivos” – dizem os opositores de uma História de Angola em sentido único. E acrescentam “não ser possível conceber o futuro sem a preservação correcta da memória colectiva, que a todos pertence”.