Enxame de “marimbondos” mostra ferrões em golpes de Estado na África

Em visita oficial feita em Portugal em 2018, o presidente João Lourenço usou uma expressão que entrou para o vocabulário político angolano. Ao comparar o desafio de combater a corrupção a colocar o dedo num ninho de “marimbondo”, o PR acabou por baptisar uma elite oportunista que também mostrou seus ferrões em outras nações africanas, vítimas de golpes de Estado.

“Sabíamos que estávamos a mexer no ninho de ‘marimbondo’ (…) e que podíamos ser picados. Já começámos a sentir as picadelas, mas isso não nos vai matar”, enfatizou o presidente na altura.

O enredo, porém, se repetiu no continente. De 1 de janeiro de 2020 a dezembro de 2023, houve mais de uma dezena de tentativas de golpe de Estado. Dessas, seis resultaram numa mudança inconstitucional de governo nas mãos de oficiais militares com asas de marimbondos. A tendência causou preocupação entre as organizações continentais e regionais.

O desenvolvimento fez com que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) convocasse uma cimeira de emergência, em Acra, Gana, em fevereiro de 2022, para debater a questão.

O Presidente da CEDEAO e Presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, disse à cimeira que os golpes de Estado se tornaram “contagiosos”, e que a tendência “deve ser contida antes que ela devastasse toda a nossa região.”

Um dos principais factores em comum aos casos de golpe mencionados é a participação activa de militares, evidenciando a importância que estes ainda possuem no continente.

Graves crises econômicas com aprofundamento da desigualdade social em países já miseráveis, somado a administrações corruptas e acordos étnicos culturais frágeis, tornam a região especialmente vulnerável a golpes de estado.

Nas primeiras décadas pós-coloniais, quando os golpes eram galopantes, os líderes golpistas da África quase sempre ofereceram os mesmos motivos para derrubar governos: corrupção, má gestão e pobreza. Em vez de dar um fim a este ciclo tétrico que se renova, acabaram se locupletando e deixando o povo à mingua.

Uma triste rotina para o continente africano

Desde 2020, ocorreram nada menos do que 10 movimentos de golpes de Estado na África, o que a imprensa internacional já qualificou como uma “epidemia” de autoritarismo no continente africano. Juntas militares através da força das armas depuseram governos no Chade (2021), Mali (2021), Guiné (2021), Sudão (2021), Burkina Faso (2022), Niger (2023), Gabão (2023); já na Gâmbia, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe houve tentativas de golpe fracassadas.

Os marimbondos destas nações, travestidos de salvadores da Pátria, foram definidos por João Lourenço como vespas que se mostram relutantes em aceitar que os actos praticados lesam o Estado e cortam o direto de muitos cidadãos.

Em Angola, durante os 38 anos de governo do presidente José Eduardo dos Santos, uma elite que emergiu depois da guerra, com assinatura do acordo de paz, passou a assumir funções na alta administração, vindo a enriquecer de forma fraudulenta.

Uma geração de endinheirados que não melhorou a situação do seu povo e que promoveu um saque no erário público, entre outros desvios. Males que tornaram a sociedade doente, corroendo seus valores e costumes.

Como já se identificou nos países vizinhos, e qualquer semelhança não é mera coincidência, os usurpadores são os mesmos mercadores de ilusão. Precursores da libertação nacional, os combatentes da guerra civil acabam se tornando políticos, ministros de Estado, altas chefias militares, governadores de província e diretores nacionais.

Rússia aumenta influência na região

Apesar de a “primavera democrática africana” ter criado a expectativa de que governos em que o povo elege os seus representantes por meio de eleições livres e periódicas passariam a ser a nova norma, observa-se que depois de duas décadas de crescimento das democracias o autoritarismo recrudesceu na África.

Com a perda de influência ocidental e o seu modelo de democracias participativas, houve um consequente aumento da influência oriental menos afeito ao modelo democrático tradicional.  O sentimento pró-Rússia varreu recentemente a África Ocidental e Central, onde oito golpes militares ocorreram desde 2020.

Países como Mali, Níger e Burkina Faso estão rejeitando o antigo poder colonial da França, que eles dizem ter falhado em ajudar adequadamente com os desafios de segurança. Sentimento ecoado por muitos centro-africanos.

O afastamento de países africanos com a França coincide com um momento em que a Rússia tenta aumentar sua influência na região. Na última cúpula Rússia-África, o Kremlin firmou acordos de cooperação militar com mais de 40 países africanos. Além disso, o governo de Putin prometeu destinar US$ 90 milhões para reduzir a dívida das nações da África, e anunciou o envio de até 50 mil toneladas de grãos para seis países do continente.

A influência russa e o declínio da democracia

A junta militar que governa o Níger, por exemplo, anunciou a chegada de militares da Rússia, que já está sendo chamado de novo Grupo Wagner, para treinamento do exército local e a instalação de um sistema de defesa aéreo no país. A informação foi divulgada pela TV estatal RTN.

Moscovo revelou que os militares que chegaram ao Níger fazem parte do Africa Corps, uma reinvenção do Grupo Wagner após a morte do antigo líder dos mercenários, Yevgeny Prigozhin, em agosto de 2023.

À medida que os países implementaram a doutrina econômica liberal financiada pelo sistema financeiro internacional, que teve a sua hegemonia estabelecida pela queda do muro de Berlim, o dividendo democrático continuou a produzir retornos decrescentes.

A democracia eleitoral pode ter-se expandido entre 1990 e 2010, mas não distribuiu riqueza. Uma geração de africanos viveu a democracia eleitoral como um sistema político que exigia a sua participação, mas a promessa de inclusão económica permaneceu permanentemente ilusória.

O Índice de Democracia 2023 da The Economist Intelligence Unit revelou que dos 54 países africanos há apenas sete considerados democráticos no continente, sendo somente uma “democracia plena” (na Ilhas Maurícias) e seis “Democracias Imperfeitas”. Os regimes autoritários de governo atualmente dominam a região com 23 países ainda classificados como tal. Os países restantes são considerados regimes híbridos, com algumas liberdades, mas longe de serem considerados democráticos na verdadeira acepção da palavra.  Uma farsa.

 

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