A fome é companheira constante de pelo menos um terço da população angolana, o que acarreta na morte de cerca de 50 crianças por dia por não ter o que comer.
A desnutrição e a miséria não são uma circunstância, mas fruto do contraste abismal do país que tem a 12ª maior desigualdade social do mundo. A segurança alimentar, nome pomposo para tratar da fome, poderia ser aumentada se a actividade agrícola pudesse ter o devido respaldo da parte do governo. No entanto, os pequenos produtores sofrem com a falta de insumos.
No Namibe, camponesas reclamam da enorme subida do preço dos fertilizantes. A tal ponto que cogitam abandonar as suas actividades, fazendo aumentar o perigo de fome na região. O preço mais do que duplicou nos últimos meses, em grande parte devido à escassez dos fertilizantes nos mercados.
“O adubo está caro porque há escassez a nível do país, embora o governo esteja a injectar algumas quantidades em algumas províncias. Não vai atender a demanda, a procura é maior e nós no Cunene ainda não recebemos”, esclareceu Carlos José, Director da Agricultura no Cunene.
É sabido que a falta de políticas governamentais eficazes é um dos principais obstáculos para o desenvolvimento da agricultura em Angola.
A actual legislação, que considera a terra como propriedade originária do Estado, não apenas limita o acesso dos agricultores ao terreno mas também dificulta a implementação de práticas agrícolas sustentáveis, como a rotação de culturas e manejo adequado do solo.
Além disso, a escassez de fábricas locais de fertilizantes e a dependência de importações aumentam os custos e a insegurança no abastecimento desses insumos essenciais.
Avanço apenas em 2027
O próprio governo reconhece que a demora que ainda se registra na chegada ao país de fertilizantes importados é um entrave na actividade agrícola.
No entanto, sinaliza que haverá avanços apenas em 2027. Só vai chover na horta do camponês angolano, ou seja, a situação ficará regularizada, daqui a três anos com a entrada em funcionamento da fábrica de adubos no município do Soyo. A afirmação é do director nacional da Agricultura e Pecuária do Ministério da Agricultura e Florestas, Manuel Dias, em declarações à ANGOP, na cidade do Soyo.De acordo com o responsável, os fertilizantes importados da Rússia, China e Marrocos chegam ao país no limiar da preparação de cada campanha agrícola, facto que cria constrangimentos na planificação.
“Tudo que é importado tem custos adicionais e gera riqueza para o país de origem, pelo que a sua produção no nosso país permitirá à banca poupar divisas que servirão para atender outras necessidades”, afirmou.
Segundo Manuel Dias, o potencial da futura fábrica de fertilizantes nitrogenados (Urea) do Soyo, dimensionada para produzir um milhão e 300 mil toneladas por ano, será suficiente para atender as necessidades de Angola, sendo que o excedente pode servir para a exportação.
O projecto está a ser implementado na zona de Kintambi, periferia da cidade, numa área bruta de 152 hectares, 45 dos quais para a implantação da fábrica.
Diante do cenário de que são poucos os países da região de África onde Angola está inserida a produzir fertilizantes, urge uma acção rápida do governo.
Do ponto de vista estritamente econômico, o baixo nível do agronegócio em Angola, que já foi uma referência na agricultura da África e do mundo em meados do século 20, está diretamente relacionado à baixa diversificação da economia do país.
Ainda persiste um triste legado da guerra.
Antes uma força propulsora da economia angolana, o sector agrícola (que inclui agricultura, pecuária e pesca) oscila atualmente entre 8% a 10% do PIB do país – contra 40% do setor petrolífero, que chega a representar 90% das exportações.
Um simples passeio pelo interior de Angola revela a extensão dos danos que foram cometidos contra a agricultura por causa da guerra civil. Ainda se vislumbram silos abandonados e estradas com cicatrizes de bombardeios.
Os estragos dificultam ou interrompem a troca de produtos entre províncias, prejudicando enormemente a combalida agricultura familiar e camponesa e mesmo a empresarial, dado que grandes áreas ainda não podem ser utilizadas devido às minas terrestres plantadas em diversas localidades.
É uma triste realidade, pois, em vez de colher frutas, verduras, legumes e demais produtos no campo, Angola não avança no combate à fome porque seus pequenos agricultores ainda correm, em determinadas localidades, o risco de serem vítimas de bombas plantadas em campos minados.
Estima-se que uma área de 7.300 hectares, equivalente a mais de 10 mil campos de futebol, ainda precisa ser limpa de explosivos.