Alguns países da África têm buscado descentralizar mais o poder político e os recursos para os governos locais, embora os processos e a qualidade dessas eleições possam variar significativamente entre os diferentes países.
Neste ano, dos 19 países africanos que vão realizar eleições presidenciais, em três deles vai haver também votação para decidir a escolha de líderes locais das cidades dos países africanos: África do Sul, Botsuana e Ilhas Maurício. Fora eleições legislativas em Togo, Madagáscar e Somália.
Angola passa longe dessa saudável e recomendável prática democrática. Prometidas desde que assumiu o poder, compromisso inclusive do MPLA, partido que dá sustentação há décadas para este governo, as eleições autárquicas teimam em não sair do papel. E a razão é muito simples: concentração de poder.
E onde mora o perigo para quem está no trono? Para quem não sabe, nas eleições autárquicas os cidadãos decidem quem ocupará os cargos nas câmaras. No caso de Angola, seria em seus 164 municípios. É deste processo de escolha que surgem os órgãos autárquicos locais, que vão tomar decisões e gerir os assuntos locais em cada município. Sem a mão pesada e interessada do Estado.
Exemplo: autarquias têm atribuições nos domínios da educação, saúde, energia e águas, equipamentos rural e urbano, património, cultura e ciência, transporte e comunicações, habitação, ação social, proteção civil e ambiente, saneamento básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social, ordenamento do território, polícia municipal e de cooperação descentralizada e de geminação.
Há vários exemplos de países que têm conseguido realizar eleições autárquicas mais inclusivas e democráticas, com a participação ativa da sociedade civil e da população local. Mas em Angola o modelo, que é adotado inclusive em Portugal, não avança por conta de um embate entre o MPLA e a Unita, principal partido de oposição do governo.
Diploma da discórdia
Os dois partidos não concordam na forma como se deve vir a desenrolar este escrutínio. A Assembleia Nacional de Angola aprovou em maio, na generalidade, novos diplomas ligados ao pacote legislativo autárquico. Entre os diplomas que foram discutidos pelos deputados, destacam-se os projetos de lei do Governo sobre a institucionalização das autarquias locais e da institucionalização efetiva das autarquias locais, proposta pela UNITA.
Ou seja, o projeto de lei da institucionalização das autarquias, cuja aprovação cria as bases para a realização das primeiras eleições autárquicas no país, divide o Governo e a Oposição. O grupo parlamentar do MPLA, que apoia o Governo, defende um diploma que estabelece a realização de forma faseada das eleições nas autarquias, tendo em conta o desenvolvimento dos municípios.
Em outras palavras e falando o português claro, isso quer dizer que as autarquias não vão ser entregues a 100 por cento aos municípios, mas sim em função de vários fatores que a lei vai estabelecer. Mesmo com a implementação das autarquias, vai continuar a haver órgãos do Estado e Órgãos da administração local do Estado.
O diploma da UNITA, e que conta com o apoio de outros partidos, defende as eleições autárquicas em todos os 164 municípios do país. A aprovação recentemente pelo Governo da polémica nova divisão administrativa do país, que cria duas novas províncias e novos municípios, agudizou as contradições entre o executivo do Presidente João Lourenço e os partidos da oposição.
A proposta de base preparada em 2021 e submetida à consulta pública visava dividir as províncias do Moxico, Cuando Cubango, Lunda-Norte, Malanje e Uíge. “O que se propõe é dividir a província do Moxico, a maior do país, em duas, sendo Moxico, com sede no Luena, e Cassai Zambeze, com sede no Cazombo”, explicou Adão de Almeida, ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República.
A oposição acusa o Governo de inviabilizar a realização das autarquias a curto prazo, impedindo o desenvolvimento da democracia no país. A não aprovação, pela Assembleia Nacional, dos últimos diplomas sobre as autarquias têm servido de pretexto para o Presidente João Lourenço adiar a convocação das eleições autárquicas prometidas no início do seu primeiro mandato.
Faustino Mumbica, responsável pelas questões eleitorais e autárquicas
da UNITA, afirma que “mais do que a falta de compromisso estamos diante de uma postura que tem no exercício do poder político como um fim em si mesmo. Optou-se pela matriz comunista”. O membro do partido pediu à Igreja Católica que continue a apontar aquilo que não estiver a ser respeitado no país e os caminhos que devem ser seguidos.
Já o membro do MPLA e professor universitário, Israel Bonifácio, diz que as autárquicas vão realizar-se e acusa a oposição de criar “falácias” para enganar a população. “O MPLA é o mais interessado nas autárquicas, porque foi ele que trouxe à baila este processo”, disse Bonifácio. “Como dizer que nós não queremos se nós é que aprovamos as leis? Isto são apenas falácias para fazer desconfiar a população”, acrescentou, afirmando ainda que vão realizar as autarquias “mas com calma, com cuidado e no momento certo”.
“Corridas podem estragar todo um trabalho que tem sido feito até aqui”, avisou
António Ventura, jurista e especialista na matéria, que pensa que não há interesse do poder político nas autarquias. “Quem detém a maioria no parlamento mantém-se no regime centralizado e impede que as autárquicas sejam efetivadas, uma vez que uma das consequências da implementação do regime autárquico é, obviamente, a partilha do exercício do poder governativo”, disse Ventura.