Nações Unidas, (Lusa) – Moçambique foi o segundo país com o maior aumento percentual (525%) de violações graves contra crianças em conflitos armados em 2024, apenas atrás do Líbano, segundo um novo relatório publicado na quinta-feira pela ONU.
Os dados de Moçambique constam no “Relatório do Secretário-Geral da ONU sobre Crianças e Conflitos Armados de 2024”, que indica que os maiores aumentos percentuais foram verificados no Líbano (545%), Moçambique (525%), Haiti (490%), Etiópia (235%) e Ucrânia (105%).
Já em termos totais, os países com os níveis mais elevados de violações em 2024 foram Israel e os Territórios Palestinianos Ocupados, principalmente a Faixa de Gaza, – que foram englobados na mesma secção do relatório -, a República Democrática do Congo, a Somália, a Nigéria e o Haiti.
Num capítulo dedicado ao conflito na província moçambicana de Cabo Delgado, o relatório indica que a ONU verificou 954 violações graves contra 507 crianças (402 meninos, 105 meninas), além de uma violação grave ocorrida em 2023, mas só passível de verificação no ano passado.
Foi verificado o recrutamento e o uso de 403 crianças por grupos armados e a detenção de 51 crianças pela Polícia da República de Moçambique (49) e pelas Forças de Defesa do Ruanda (2) por alegada associação a grupos armados.
A ONU conseguiu verificar o assassínio (32) e a mutilação (12) de 44 crianças por perpetradores não identificados (22), grupos armados (15) e pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (7), incluindo baixas causadas por engenhos explosivos (17).
Além disso, a violência sexual contra cinco raparigas foi atribuída a grupos armados, com a ONU a denunciar igualmente ataques a escolas e hospitais e o aproveitamento militar desse tipo de instalações por parte de grupos armados e pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
Ainda no ano passado, a ONU verificou neste conflito o rapto de 468 crianças por grupos armados, incluindo para recrutamento. Onze menores foram libertados.
“Nada parece estar a impedir as ações terroristas no norte de Moçambique. Simplesmente nada. Toda a gente está a tentar, mas nem sequer temos os nomes dos grupos terroristas que operam no norte de Moçambique. É especulação”, indicou um representante da ONU.
Tendo isso em conta, o relatório não conseguiu identificar a maioria dessas formações, “porque são grupos terroristas muito obscuros que operam além das fronteiras”, explicou ainda.
“Agora, esses grupos são imparáveis. E parecem estar a visar crianças, de forma muito semelhante aos problemas da Síria e do Iraque [no passado]. Então é por isso que não temos os agressores identificados”, frisou o funcionário das Nações Unidas, que falou sob condição de anonimato.
Desde outubro de 2017, a província de Cabo Delgado, rica em gás, enfrenta uma rebelião armada com ataques reclamados por movimentos associados ao grupo extremista Estado Islâmico, que chegaram a provocar mais de um milhão de deslocados.
Só em 2024, pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos na província, um aumento de 36% face ao ano anterior, segundo dados divulgados recentemente pelo Centro de Estudos Estratégicos de África, uma instituição académica do Departamento de Defesa do Governo norte-americano que analisa conflitos em África.
No relatório, o secretário-geral da ONU, António Guterres, emitiu uma série de recomendações para Moçambique e apelou ao Governo para que “amplie a formação a todas as forças de segurança, incluindo a Força Local e a Unidade de Intervenção Rápida, e para que esclareça o seu estatuto e estabeleça medidas de responsabilização”.
A designada Força Local é composta, sobretudo, por antigos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que liderou a guerra contra o regime colonial português (1964-1974) e que voluntariamente voltaram a pegar em armas para combater os grupos rebeldes que têm protagonizado ataques na província de Cabo Delgado desde outubro de 2017.
O relatório sobre crianças e conflitos armados indica que o número de violações graves contra menores atingiu um novo máximo em 2024, com 41.370 incidentes verificados, um aumento de 25% face a 2023.
No geral, embora grupos armados não estatais tenham sido responsáveis por quase 50% das violações graves, as forças governamentais foram as principais perpetradoras da morte e mutilação de crianças, de ataques a escolas e hospitais e da negação de acesso humanitário.
MYMM (RYCE/PVJ) // SCA
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