O Drama das Crianças Africanas

A menos de uma mês, na semana, que vai de 16 a 22 de junho, duas efemérides chamaram a nossa atenção, pela sua dimensão internacional e pela importância contextual dos grupos de incidência. Estamos a falar das crianças e dos refugiados, aos quais foram dedicados os dias 16 e 20 de junho, datas instituídas respetivamente pela então Organização da Unidade Africana (hoje União Africana) e pela Organização das Nações Unidas.

A instituição do 16 de junho, como Dia da Criança Africana, tem como fundo a protecção da criança das atrocidades de toda a espécie que vem sendo alvo, muitas vezes desde tenra idade, bem como chamar a atenção das famílias e dos Estados Africanos, e não só, para a necessidade de inverter essa dura realidade vivida por milhares de crianças no continente.

O ponto de partida para tal reflexão foi o massacre do Soweto, localidade sul-afriana que em 1976 foi palco de uma repressão policial sangrenta, com registo de centenas de mortos entre jovens, adolescentes e crianças, que se manifestavam pacificamente contra a fraca qualidade de ensino e demais violações dos seus direitos pelo então regime do apartheid.

Na verdade, embora se reconheça alguns avanços, tímidos, por parte de determinados Estados, de lá para cá pouca coisa mudou na vida das crianças africanas. Os seus direitos mais elementares continuam a ser violados sistematicamente, tanto no seio das famílias, quanto pelos Estados.

Uma das violações tem a ver com a educação e ensino. Segundo dados do UNICEF, estima-se que em África mais de 100 milhões de crianças em idade escolar (níveis primário e secundário) estão fora do sistema de ensino. Isso como resultado do pouco empenho e investimento dos Estados no sector da educação.

A maioria dos países africanos não está a honrar o compromisso de afectar 20% dos seus orçamentos anuais à educação conforme recomendação no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

Dados do UNICEF divulgados recentemente, indicam que neste ano de 2024, dos 54 países africanos, apenas nove, dedicaram 20% ou mais do seu orçamento à educação; 24 se comprometeram a afectar pelo menos 15% e os restantes destinaram apenas de 2 a 10%.

De acordo com a mesma fonte, são necessários investir cerca de 183 mil milhões de dólares americanos por ano na educação das crianças nos países africanos para se atingir os objectivos de Desenvolvimento Sustentável em matéria de educação. Este valor comparado com os recursos disponíveis, que se situam em 106 mil milhões de dólares, constata-se um deficit de financiamento de mais de 40%.
A falta de alimentação adequada e de qualidade é outra violação que as crianças africanas sofrem. Mais de 60 milhões de crianças em toda a África não têm o que comer e/ou alimentam-se de modo deficiente, fazendo crescer a estatística da subnutrição e desnutrição no seio da população infantil.

Os dados são do Fórum Africano de Políticas para Crianças (ACPF) que adianta ainda que o continente pode ter, até 2050, centenas de milhares de crianças e jovens desnutridos e famintos, caso os Estados não investam na alteração dos actuais níveis.

Os abusos sexuais e o trabalho infantil engrossam igualmente a lista das violações aos direitos das crianças. Em mais de 70% dos abusos sexuais que ocorrem no continente, as vítimas são crianças. Os abusos acontecem maioritariamente no seio das famílias, nas escolas e em zonas de conflitos armados. Quanto ao trabalho infantil, os dados do UNICEF indicam que mais de 70 milhões de crianças africanas são submetidas a trabalho inadequados e/ou perigoso. Muitas delas trabalham em situação de quase escravidão, separadas das suas famílias, vivendo na rua e expostas a sérios riscos e doenças.

A nível mundial, trabalham nessas condições, de acordo ainda com o UNICEF, mais de 160 milhões de crianças. Muitas como refugiadas, longe das suas terras de origem, acompanhando seus pais, fugidos das zonas de conflitos armados. A vida de uma criança submetida a trabalho infantil é difícil de imaginar. O mesmo se pode dizer da vida de um refugiado.

Refugiados, um drama africano constante e perverso.

Segundo a Agência das Nações Unidas para o Refugiados (ACNUR), em todo o Mundo mais de 100 milhões de pessoas são refugiadas. As crianças representam 40% da população mundial de refugiados. Contribuíram para o crescimento dessas cifras os últimos conflitos armados na Europa, Médio Oriente e África, bem como os movimentos migratórios, em razão da fome, perseguição politica, discriminação racial, social e religiosa.

Muitos desses refugiados e emigrantes vivem uma realidade pavorosa nos países de acolhimento. Aliás, foi pela necessidade de se apelar e sensibilizar os Estados para a criação de condições social e humanamente aceitáveis para quem vive na condição de refugiado, que as Nações Unidas instituíram o 20 de junho como dia mundial do refugiado.

A data surge também como um apelo à esperança de um mundo inclusivo para quem vive “longe de casa”, ou seja, uma chamada de atenção dos Estados para a necessidade de bom acolhimento, integração e soluções duráveis para os refugiados e requerentes de asilo, reconhecendo a sua força, coragem e resiliência na reconstrução das suas vidas.

Dados da ACNUR estimam que Angola acolhe, actualmente, mais de 56 mil refugiados e requerentes de asilo, dentre os quais se destacam cidadãos guineenses, costa-marfineneses, senegalenses, somalis e mauritanianos. A maior parte desses refugiados (cerca de 88%) vive em zonas urbanas ou suburbanas das várias cidades angolanas. Cerca de seis mil encontram-se alojados no assentamento do Lôvua, na província da Lunda-norte

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