Corre, nos últimos dias, nas redes sociais e determinados sites, informações sobre comportamento racista protagonizado por adeptos da selecção argentina de futebol que venceu a última edição da Copa-América. Por via de cânticos os argentinos que apoiavam a sua selecção atacaram integrantes da selecção francesa, com incidência para os negros daquela agremiação, associando-os aos angolanos.
Uma atitude que se repete, uma vez que, foi com os mesmos cânticos que tais adeptos atacaram os franceses durante o campeonato do Mundo de futebol de 2022. Na verdade, o Mundo está cheio desses episódios que acontecem todos os dias e sob várias formas.
O julgamento de pessoas com base na cor da pele é um preconceito que ainda reina na educação, na mente e nos actos de muito “boa gente”, esquecendo-se, citando o estadista e poeta angolano Agostinho Neto, das “várias Áfricas espalhadas pelo Mundo”.
Hoje, quase todos os países criminalizam os actos de racismo. Porém, está comprovado que não é o suficiente. Outras acções devem ser levadas a cabo pelos Estados em todo o Mundo. E a principal, como dizia o estadista e político sul-africano Nelson Mandela, está na educação do homem, na passagem de valores nobres às pessoas.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor da sua pele, da sua origem ou da sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar.” (Nelson Mandela)
Um apelo ao amor entre a raça humana , de quem nasceu e viveu toda a sua vida num país cujo racismo era institucionalizado. Estamos a falar da África do Sul e os seus 45 anos de apartheid.
A República da África do Sul é um país localizado no extremo sul do continente africano, entre os oceanos Atlântico e Índico.
Até ao senso de 2011, a população sul-africana era estimada em 62 milhões de habitantes, maioritariamente negros, ou seja mais de 80% de autóctones e menos 8% de brancos. A restante percentagem estava distribuída entre mestiços e asiáticos.
Os brancos sul-africanos são descendentes de colonizadores holandeses, franceses e alemães. Aliás no inicio do século XX, a África do Sul era ainda uma colónia britânica, resultado do Tratado de Vereeniging, que pusera fim à Guerra dos Bôeres (1899-1902).
A situação no país, entretanto, recrudesceu de modo drástico a partir de 1948, com a ascensão ao poder do Partido Nacional, que institucionaliza a segregação e a subjugação dos não europeus, com base no sistema que foi denominado de Apartheid.
Com esse sistema as pessoas eram separadas por raça, em todos os domínios da vida nacional. Aliás, o termo apartheid é uma palavra africâner que significa “separação”, ou “ser separado”. O vocábulo foi usado em discursos oficias pela primeira vez em 1929 e tornado sistema jurídico e de governação em 1948.
Durante o longo período de subjugação, os negros sul-africanos procuraram sempre formas de se opor à sujeição da minoria. Foi nesse esforço de luta que nasceu, em 1912, o Congresso Nacional Africano – ANC.
Fundado por nacionalistas negros, o Congresso Nacional Africano era formado principalmente por bantus, com realce para a elite negra (profissionais liberais, religiosos e intelectuais), para fazer frente às leis segregacionistas, numa base de não violência. Uma luta que viria a durar décadas, com o ANC a transformar-se num movimento de massas e adotando outras formas de reivindicação de direitos.
Dentre os vários protagonistas da luta contra o apartheid, realce para um ícone, Nelson Mandela, que desponta a partir dos anos cinquenta do século passado.
Nascido no dia 18 de julho de 1918 na província do Cabo, Nelson Mandela foi um líder africano que marcou a história da África do Sul e influenciou uma mudança de pensamento no mundo inteiro. Sua trajetória de vida inspirou e sensibilizou o planeta, tornando-se num dos políticos mais influentes do século XX.
Fruto do seu intenso envolvimento na luta contra o apartheid, Mandela foi preso várias vezes durante toda a década de 1950, até que em 1963 é encarcerado nas masmorras do regime por 27 anos consecutivos.
Foi libertado em 1990, depois de uma forte pressão nacional e internacional contra o sistema do apartheid e seus cultores.
Quatro anos depois, Mandela viria a ser eleito como o primeiro presidente negro da África do sul. A sua eleição, em 1994, foi um marco divisório na história do país, que saiu do regime draconiano para a democracia plena. Mandela fez do seu governo de cinco anos uma plataforma de reconciliação entre oprimidos e opressores, uns com os outros e consigo mesmos.
Nelson Mandela teve, sem dúvida, momentos altamente controversos durante grande parte da sua vida. Denunciado como um terrorista comunista pelos seus críticos, ele acabou sendo aclamado no seu pais e internacionalmente pelo seu activismo e recebeu mais de 250 prémios e condecorações, incluindo o Nobel da Paz, em 1993, partilhado com Frederik de Klerk, último presidente branco da África do Sul, de setembro de 1989 a maio de 1994.
No seu discurso de ocasião, Mandela assinalou: “O valor deste prémio que dividimos será e deve ser medido pela alegre paz que triunfamos, porque a humanidade comum que une negros e brancos em uma só raça humana teria dito a cada um de nós que devemos viver como as crianças do paraíso”.
De homenagem em homenagem, a dimensão de Mandala foi, em 2009, reconhecida pela Assembleia Geral da ONU, com o consenso de 192 países membros, instituindo a data do seu nascimento, 18 de julho, como o “Dia Internacional Nelson Mandela”.
O dia, lembrado em todo o mundo, homenageia a dedicação de Mandela ao serviço da humanidade, pela resolução de conflitos, pela relação entre as raças, pela promoção dos direitos humanos, a reconciliação, igualdade de gêneros, pela protecção dos direitos das crianças e outros grupos vulneráveis, bem como pelo desenvolvimento das comunidades pobres e pela sua contribuição na promoção da cultura de paz no mundo.
A célebre fase – “Nós podemos mudar o mundo e torná-lo num lugar melhor. Está em nossas mãos fazer a diferença.” – sintetiza bem o pensamento de Mandela nesse sentido.
No dizer de Ali Abdessalam Treki, então Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Mandela foi “um dos maiores líderes morais e políticos do nosso tempo” e o mais poderoso símbolo da luta contra o regime segregacionista do Apartheid e modelo mundial de resistência.
Entretanto, Nelson Mandela, considerado também como o mais importante líder da África Subsaariana do seculo XX, viria a falecer no 5 de dezembro de 2013, aos 95 anos, vitima de doença.
Na verdade, nós podemos mudar o mundo e torná-lo num lugar melhor, sem cânticos racistas, sem discriminação, promovendo só e somente a raça humana e apostando na educação como a arma mais poderosa para mudar o mundo. É preciso não esquecer que, como disse Mandela, “os tolos se multiplicam quando os sábios ficam em silêncio”.