Apenas 1 a cada 3 angolanos tem conta num banco. Seria por desconfiança das instituições financeiras ou porque, a exemplo dos nossos avós, preferem guardar kwanzas embaixo do colchão?
Nada disso. O que falta é justamente dinheiro. Quem mora em Angola sabe que 68% da população com 15 ou mais anos não possui conta bancária devido à insuficiência de rendimentos.
A pesquisa oficial, contratada pelo Instituto Nacional de Estatística de Angola e o Banco Nacional de Angola, o banco central, foi realizada com 35.190 famílias em quatro meses no início do ano passado, a primeira do tipo com abrangência nacional em Angola.
Pra quem ganha um salário mínimo de 32 mil kwanzas, a ausência em uma agência bancária ou em um canal digital da instituição financeira está mais do que explicada.
É só fazer contas…
Milhares de funcionários públicos residem hoje a mais de 30 quilómetros da cidade de Luanda, em zonas sem transporte público e têm de se deslocar diariamente à cidade, onde se concentra parte considerável da administração pública e as sedes das empresas do Estado.
O gasto médio com transporte é a de 44 mil kwanzas mensais em “candongueiros”. Ou seja, valor acima do salário mínimo. Logo, quem ganha um salário mínimo e vive distante do centro da cidade não consegue sequer cobrir as despesas de transporte de ida e volta para o serviço.
E para fazer as refeições? Piorou. O preço de uma cesta básica mensal com 16 produtos essenciais, no mercado informal, onde é mais barato, é de 289 mil kwanzas, nove vezes mais do que o salário mínimo. Isso sem falar nas despesas de água, luz, gás.
Como se fosse possível ainda piorar, a inflação em Luanda atingiu os 32,6%, conforme dados do Instituto Nacional de Estatística, corroendo ainda mais o poder de compra.
Diante da pouca atenção que tem sido dedicada às políticas salariais no país, não é por outro motivo que 80% da população activa está no mercado informal e não depende do salário.
Isso quer dizer que a maioria dos cidadãos vive ou sobrevive sem dependência salarial formal.
A panela de pressão está no fogo e não há comida dentro…
As zungueiras, que estão pelas ruas equilibrando tudo que é possível de mercadoria na cabeça para vender, estão aí para provar a penúria.
O tempo passa e a realidade do angolano não muda. Em 1993, o então presidente José Eduardo dos Santos afirmou que “hoje praticamente ninguém vive do seu salário”. E assim se institucionalizou a corrupção, a cobrança de gasosa e o saque do país como modo de vida generalizado.
Comparando o aumento do custo de vida com o reajuste do salário e com o poder de compra, percebe-se facilmente que são incompatíveis. O descompasso é tão grande que há moradias em Luanda, principalmente em Musseques, sem geleiras.
Pra que um refrigerador para conservar alimentos se o dinheiro que o angolano tem para fazer as suas refeições e da sua família é consumido no próprio dia?
Na verdade, a vida do angolano é, muitas vezes, recomeçar a luta pelo ganha-pão todos os dias. De sol a sol.