Em maio deste ano, houve um aumento do preço dos bilhetes de autocarro em Angola de 50 para 150 kwanzas. Ou seja, um acréscimo de 300 por cento, surpreendendo até mesmo as empresas de transportes públicos colectivos urbanos rodoviários de passageiros e os utentes, que esperavam apenas uma subida de 50 e não de 100 kwanzas.
Como se não bastasse, também em maio entrou em vigor o novo preço das viagens de táxi, que reflete um aumento de 25 por cento, devido ao fim dos subsídios de combustível para os taxistas.
Diante dessa escalada nos preços, a inflação voltou a subir em junho, pelo 14.º mês consecutivo, atingindo uma variação de 31%, estimulada sobretudo pela subida dos preços da alimentação e de bens e serviços, o que torna as famílias cada vez mais pobres, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano.
Trata-se do nível mais elevado dos últimos sete anos, desde maio de 2017. Em Luanda a situação é ainda pior – a inflação situou-se em 42,8% em junho.
Um Governo sem noção ou com má intenção?
Mesmo com a subida galopante da inflação, o governo angolano anunciou aumento dos impostos cobrados na importação de produtos alimentares básicos em abril deste ano. O imposto do feijão aumentou de 10% para 15%, o do açúcar subiu de 20% para 40% e o do leite é agora 40% em vez dos anteriores 30%.
A medida foi anunciada com a intenção de proteger a produção local, mas como Angola não tem condição de abastecer a sua população e importa até 70% dos seus alimentos, os preços dos alimentos dispararam e as pessoas estão perdendo cada vez mais poder de compra, aumentando ainda mais a miséria e a pobreza, degradando o meio social.
A produção nacional, na maioria dos produtos alimentares, é ainda mais cara que a mercadoria importada, porque depende das importações de insumos, equipamentos, embalagens, etc., não tem os níveis de produtividade das grandes empresas agroalimentares e tem dificuldades de escoamento para os grandes centros de consumo angolanos.
Proibindo ou aumentando a tributação dos produtos importados para defesa da produção nacional, está a contribuir-se para o aumento dos preços e o crescimento da inflação.
Bolso vazio aumenta tensão social
O aumento de preços dos produtos alimentares básicos, aliado à subida do preço da gasolina, a desvalorização da moeda e a crescente inflação geraram aumento da tensão social em Angola.
Cidadãos angolanos queixam-se diariamente do aumento galopante dos principais produtos da cesta básica e do fraco poder de compra dos seus salários.
Como efeito colateral, o país assistiu a uma multiplicação de manifestações contra o aumento do custo de vida em todo o país. Em junho, foram convocadas mais marchas de rua, na Região da Lunda Sul e na Província do Kuando Kubango.
No Kuando Kubango, a marcha foi protagonizada por mais de mil ex-militares da Guarda Presidencial (UGP), que reclamam os seus salários suspensos depois do seu afastamento dos efetivos da Casa Militar do Presidente da República, que consideram injusta.
O atraso no pagamento dos salários da função pública no último mês, por alegada falta de tesouraria, criou uma desconfiança no seio da população angolana em relação ao desempenho econômico do Executivo do Presidente João Lourenço, que deverá tomar medidas urgentes para inverter a crescente impopularidade do seu governo.
A insegurança alimentar só faz aumentar
Não é para menos. Em Angola, um milhão e trezentas mil pessoas (4% da população) enfrentaram níveis elevados de insegurança alimentar aguda em 2023. E, segundo o relatório mundial sobre a crise alimentar, a situação deverá piorar em 2024, atirando mais 200 mil pessoas para a fome aguda no país.
“Prevê-se que até 1,5 milhões de pessoas ou 5% da população enfrentem níveis elevados de insegurança alimentar aguda” em 2024, sublinha o documento. Aumento dos níveis elevados de insegurança alimentar aguda em 2024 “reflete a expectativa de fraca precipitação durante a época de colheita de 2023/24, as baixas reservas alimentares das famílias e a inflação persistente dos alimentos e dos combustíveis”, revela o relatório.
Angola aparece na lista dos 10 principais países africanos com a maior inflação alimentar em meados de 2024, de acordo com a última atualização sobre Segurança Alimentar, do Banco Mundial (BM), feita no início do mês corrente. Com a inflação alimentar a atingir os 18,5%, o país posiciona-se na sétima posição da lista, à frente da Zâmbia, Tunísia e Costa do Marfim, com registos de inflação alimentar de 16,2%, 9,6% e 8,6%, respectivamente.
Segundo análise de economistas locais, a causa da inflação em Angola é a política errada do banco central – o Banco Nacional de Angola (BNA) –, que subsiste pelo menos desde 2013 com o aumento de circulação de moeda corrente em poder público muito maior do que o crescimento do PIB de Angola.
Entre 2014 e 2023, o índice de dinheiro corrente em circulação aumentou cerca de 300%, enquanto o PIB decresceu 2,3%. Em termos práticos, estes números querem dizer que enquanto a produção baixava, o dinheiro em circulação aumentava. O resultado é que, para comprar menos produtos, há mais dinheiro. Logo, por definição, gasta-se mais dinheiro para comprar o mesmo.