Prémio Nelson Mandela reconhece Elvino Dias como “combatente pela democracia” – Ordem

Maputo, (Lusa) – O bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Carlos Martins, considera a atribuição do prémio Nelson Mandela ao advogado Elvino Dias, morto a tiro em outubro, em Maputo, um reconhecimento do seu trabalho como “combatente pela democracia”.

“É um reconhecimento do trabalho que foi feito pelo nosso colega Elvino Dias, em vida. Foi um grande combatente pela democracia, pelo Estado de Direito e, sobretudo, porque fez a sua luta nos tribunais. O seu palco era lá, nos tribunais”, disse à Lusa, em Maputo, o bastonário da Ordem, reagindo à atribuição a Elvino Dias do prémio Nelson Mandela 2025 pela associação ProPública – Direito e Cidadania.

“É um legado pesado que nos deixa. Ensinou-nos onde fazer a luta, mas, sobretudo, ensinou-nos três valores: O valor da verdade, o valor do direito e o valor da Justiça. Deixa um grande ensinamento para toda a classe em si, que é preciso lutar por aquilo que cada um de nós acredita. E ele acreditou, ele levou até ao fim os seus ideais e isso custou-lhe a vida”, acrescentou Carlos Martins.

Elvino Dias, conhecido em Moçambique como “advogado do povo”, pelas causas sociais e apoio que prestava em vários processos, sobretudo dos mais desfavorecidos, morreu na noite de 18 de outubro de 2024, numa emboscada, conforme confirmado pela polícia, que até hoje não apresentou explicações ou suspeitos do crime, associado desde então a motivações políticas.

Na altura era assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane e o carro que conduzia, na avenida Joaquim Chissano, centro de Maputo, foi intercetado por duas viaturas, de onde saíram homens armados que fizeram vários disparos, atingindo mortalmente, além de Elvino Dias, de 45 anos, também Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoiou aquele candidato nas eleições gerais de 09 de outubro. Ainda hoje aquele local central está marcado com pedras e por vezes flores, recordando o duplo homicídio que ali ocorreu.

Esmeralda Sousa, viúva de Elvino, ainda não tem explicações para o crime e pouco sabe da parte da polícia. Contudo, o prémio é recebido com satisfação em Maputo, pelo “grande exemplo” que foi para os colegas, esperando que ajude a acelerar a investigação.

“Como família, recebemos o prémio com alegria por tudo o que ele fez, por Moçambique e pela democracia”, afirmou Esmeralda à Lusa.

O bastonário Carlos Martins defende que a atribuição do prémio pela ProPública, associação privada constituída em 2020 com o objetivo de defesa jurídica do interesse público, devia servir, também, como forma de pressão para explicar o que aconteceu na noite de 18 de outubro, processo em que a Ordem se constituiu como assistente e que permanece sem desenvolvimentos, sete meses depois.

“Devia, mas nós olhamos não só do ponto de vista da investigação. Quanto mais tempo levar a investigação, adensam-se as dúvidas sobre as reais motivações, o móbil que esteve por trás do assassinato do nosso colega”, apontou o bastonário.

Ainda assim, prefere sublinhar o “legado” de Elvino para os advogados moçambicanos: “É um ensinamento que deixa também para a classe, que é preciso lutar pela coletividade acima dos interesses pessoais. Foi isto que o doutor Elvino Dias nos ensinou. E é isto que nós queremos perpetuar como classe”.

Em 23 de outubro, milhares de pessoas juntaram-se no cemitério de Michafutene, arredores de Maputo, gritando “justiça” e “advogado do povo”, na despedida fúnebre, emocionada, de Elvino Dias.

O duplo homicídio chocou a sociedade moçambicana e marcou o início da contestação pós-eleitoral, liderada por Venâncio Mondlane, que três dias depois saiu do país, alegando receios com a sua segurança, regressando a Maputo apenas em janeiro. Essa contestação nas ruas, que levou a confrontos com a polícia, saques, destruição de edifícios e equipamentos públicos, bem como de empresas, provocou em cerca de cinco meses quase 400 mortos.

Segundo o presidente da ProPública, Agostinho Pereira de Miranda, com a escolha de Elvino Dias, a associação pretendeu “honrar o exemplo de um advogado que perdeu a vida quando desempenhava as suas funções”, mas também “manifestar (…) solidariedade aos advogados moçambicanos e genericamente aos advogados africanos, que desempenham funções extraordinariamente importantes na defesa dos direitos humanos”, fazendo esse trabalho “em circunstâncias muito, muito difíceis”.

Nas quatro edições anteriores do prémio Nelson Mandela foram distinguidos os advogados Francisco Teixeira da Mota (2021), Leonor Caldeira (2022), Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves ‘ex aequo’ (2023) e Garcia Pereira (2024).

O prémio, com o valor pecuniário de dez mil euros, será entregue à família de Elvino Dias em 18 de julho, no Dia Internacional Nelson Mandela, data em que se assinala o nascimento do advogado e antigo líder sul-africano, prémio Nobel da Paz em 1993, que combateu e pôs fim ao regime do ‘apartheid’ no seu país.

PVJ // VM

Lusa/Fim

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