Lisboa, (Lusa) – A professora universitária Clara Carvalho disse hoje à Lusa que a presidência de Angola na União Africana (UA), cuja tomada de posse ocorre sábado, lhe dá “capital simbólico” para se afirmar como potência regional.
“Tal como o Ruanda, e a África do Sul – que o é efetivamente -, Angola pretende ser uma potência regional e o seu papel na presidência da UA dá-lhe capital simbólico para esse propósito”, declarou à Lusa a investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa).
Para a docente, Angola tem uma posição preferencial para ser mediadora de conflitos e é, inclusive, um membro ativo da CIRGL (Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos), onde, por exemplo, se inserem os confrontos do leste da República Democrática do Congo (RDCongo), em que o Presidente angolano, João Lourenço, já foi mandatado pela UA como mediador do conflito.
Clara Carvalho indicou também a importância da presidência de Angola na UA enquanto país lusófono e membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que lhe permite atuar em Moçambique, ou na Guiné-Bissau, onde, segundo a investigadora, já participou “na reforma do setor de segurança”.
Segundo a docente, João Lourenço, e o seu Governo, têm um “caráter pragmático na política externa”, o que, por exemplo, fez com que Angola se tivesse aproximado da administração Biden, que culminou com uma visita do antigo Presidente norte-americano a Luanda e no “desenvolvimento do corredor económico do Lobito”.
“Este último está integrado na criação de infraestruturas na região, em particular a Lobito Atlantic Raillway, entre o porto de Lobito e a fronteira da RDCongo e, eventualmente, para a Zâmbia. Os investimentos são da União Europeia (UE) e EUA”, explicou.
Para si, a UA tem, atualmente, de um modo geral, alguns desafios, tais como “as dificuldades na implementação da ambiciosa agenda 2063 [uma iniciativa da UA que ambiciona resolver as injustiças do passado], os conflitos em curso e a instabilidade política, a criação de um sistema efetivo de coordenação entre Estados e regiões, o apoio ao desenvolvimento de infraestruturas – nomeadamente a rede ferroviária Atlântico-Índico, da qual o corredor do Lobito é um elemento essencial – , o financiamento da própria UA – muito dependente da UE – e o apoio continuado a iniciativas para fazer face a crises.
Na opinião de Peter Fabricius, Analista de Política Externa e investigador do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), “a UA não será capaz de enfrentar eficazmente todos estes desafios, em grande parte devido à falta de recursos”, disse o especialista em entrevista à Lusa.
De acordo com o investigador, a “UA tem tido pouco impacto e está a deixar os esforços de mediação para terceiros, como o papel da Turquia na mediação da reconciliação entre a Somália e a Etiópia sobre o reconhecimento da Somalilândia pela Etiópia”.
“[O Presidente turco] Erdoğan também se ofereceu para mediar a guerra civil no Sudão [na região dos Grandes Lagos]. A UA carece de credibilidade e neutralidade para mediar a maioria das disputas africanas”, frisou.
Por sua vez, o recrudescimento da guerra na nação vizinha, RDCongo, “é um problema crescente para Angola”, indicou Clara Carvalho.
“A relação com o Ruanda será um dos grandes desafios da presidência de João Lourenço. Nos últimos 30 anos este país foi encarado como um polo de estabilidade na região, e o Governo autocrático de Paul Kagame tem sido largamente apoiado pela UE, que tem interesses na exploração de minérios e construção de infraestruturas no país”, salientou a docente.
Por exemplo, o exército ruandês, ao ser escolhido pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a UA para intervir no conflito em Cabo Delgado, Moçambique, recebeu 40 milhões de euros da UE para suportar os seus militares, concluiu.
NYC (NME/DAS) // JMC
Lusa/Fim