Quarenta pessoas perdem a vida diariamente nas estradas angolanas

Como se estivéssemos a olhar pelo retrovisor de um carro desgovernado, mais uma tragédia no trânsito na passada semana custou vidas humanas e manchou de sangue as estradas do nosso país.

Foi um horror: nada mais nada menos do que quinze pessoas morreram e outras 26 ficaram feridas em consequência de um acidente de viação ocorrido na ponte sobre o rio Cuito, na zona que liga o bairro Cangote e a comuna do Cunje, no município do Cuito, província do Bié.

A tragédia ocorreu após o capotamento de uma motorizada de três rodas nas proximidades da ponte sobre o Rio Cuito, que causou a morte imediata de uma bebé. Na sequência, um caminhão desgovernado, vindo da direcção contrária, acabou por atropelar dezenas de pessoas que se dirigiram ao local para prestar os primeiros socorros.

O caminhão atropelou 38 pessoas, das quais dez tiveram morte imediata e outras cinco acabaram por falecer no hospital Walter Strangway. O mais grave é que a cena de horror parece estar banalizada em Angola.

Cerca de 40 pessoas perdem a vida diariamente nas estradas, revelam dados oficiais. De janeiro a outubro de 2023, registaram-se 12.069 fatalidades em acidentes de viação. Uma carnificina que acarreta enormes prejuízos humanos e materiais, e provoca um jogo de empurra-empurra entre as autoridades, que fogem de suas responsabilidades.

Tal como Pôncio Pilatos, as autoridades públicas lavam as mãos e dizem que as causas dos acidentes são o excesso de velocidade, a circulação em sentido contrário, a não cedência de prioridade, o mau estado técnico dos veículos e a condução sob influência do álcool. No fim da fila do cinismo, atribuem com menor importância a insuficiente iluminação pública e as más condições das vias pelas mortes no trânsito.

Governo reconhece crescimento da sinistralidade rodoviária

No ano passado, no âmbito do “Dia Mundial em Memória das Vítimas de Estrada”, a vice-presidente angolana, Esperança da Costa, chegou a alertar para o crescimento da sinistralidade rodoviária.

“É essencial conjugar esforços e agir em conjunto para a inversão da actual situação, marcada pelas elevadas taxas de acidentes, mortes, mutilações e danos materiais, o que demonstra o quanto precisamos de refletir na mudança de rumo e nos desafios colectivos que temos de enfrentar com vista a alcançar a desejável paz e segurança na estrada”, pontuou Esperança.

Diante da inoperância governamental em cuidar da preservação das rodovias, a ministra das Finanças de Angola, Vera Daves, apela para empresas privadas na construção e manutenção das estradas nacionais. Diz que uma rede viária em condições é um dos requisitos fundamentais para diminuir as assimetrias no desenvolvimento do território.

Daves parece ter descoberto a pólvora! Estudos indicam que as estradas em Angola podem representar mais de 25% da produção interna, pois tudo se move pelas estradas e aumentam o nível de consumo, fomentando a economia. A malha rodoviária nacional é de aproximadamente 75.000 km.

Como aponta o Banco Mundial, no entanto, está a faltar investimento. No período pós-guerra (2002-2009), Angola gastou uma média anual de 2,8 mil milhões de dólares na reabilitação de estradas. Esse valor baixou para uma média de 2,1 mil milhões de dólares nos dez anos seguintes.

O estudo daquela instituição financeira destaca claramente a falta de qualidade das estradas e a gritante discrepância entre os custos e a execução. Entre 2008 e 2017, o governo gastou mais de 20 mil milhões de dólares em estradas, a um custo de 2,52 milhões por quilómetro asfaltado, de duas faixas de rodagem apenas. Um absurdo completo. No entanto, no mesmo período, o governo dedicou apenas uma média anual de 28 milhões de dólares à manutenção de estradas.

Com efeito, na lista de competitividade global de 2019, Angola está entre os dez últimos países em termos de qualidade da rede rodoviária, na posição 136 de 141 países. E a razão do vergonhoso ranking tem a ver com o modelo de concentração administrativa, ultrapassado há muito, mas que infelizmente foi acentuado pelo modelo soviético adoptado na liderança do país após a independência.

Desse modo, o governo central constrói mas abdica da conservação e manutenção das estradas nacionais, até estas apresentarem um nível absurdo de degradação, para então se proceder à construção de mais uma nova estrada, com mais novos contratos multimilionários.

Os pequenos buracos têm de aguardar por vontades superiores e, de tão impacientes, acabam por se multiplicar. O adiamento da descentralização real tem-se traduzido na total dependência das províncias e, por conseguinte, municípios, do governo central, para o financiamento das suas infraestruturas.

Enquanto isso, misturam-se como paisagem macabra pelas estradas angolanas parcas placas de sinalização alertando para o risco de rodagem entre tantos buracos na pista, e cruzes afixadas nas suas margens como lembrança dos entes queridos mortos no trânsito.

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